Medo compartilhado




Célia Regina Ignatios de Andrade

Ela abriu a porta do apartamento e disse oi. Ele, com ressaca, nada respondeu. Estava caído no sofá, tentando esquecer a noite anterior, muito agitada. Drogas, sexo desconexo, pensamentos perplexos, estava sem reflexos.

Ela foi até a cozinha, abriu a geladeira, vazia como tudo em sua vida. Ele reclamou que a cerveja acabou. Ela gritou que estava com fome. Os dois se enlaçaram no sofá e esperaram o tempo passar.

O telefone tocou. Os dois estremeceram.

É para você, disse ele. Não, é para você, respondeu ela.

O telefone continuou tocando, tocando e tocando. Os dois se olharam. Seria ele?, ambos se perguntam.

“Como saberia o nosso telefone, não demos a ninguém. Foi engano.”

“Não, esse tipo de pessoa nunca se engana.”

O medo e o pânico tomaram conta das duas mentes conturbadas. Apavorados, se abraçam e choram compulsivamente. Ele diz que vai embora. Ela não tem para onde ir.

“O melhor que temos a fazer é atender e marcarmos um encontro.”

Não demora muito, o telefone toca novamente e, num sobressalto, ela atende com a voz e as mãos trêmulas.

Diz alô um tanto assustada e do outro lado da linha alguém responde:

“Boa tarde, aqui é da Vivo, gostaria de falar com o responsável pela linha.”

Ela desliga o telefone sorrindo, enquanto que do outro lado da linha só se escuta tu,tu,tu,tu....

Obs.: 3º texto a partir do curso "Como escrever crônicas", ministrado no Gabinete de Leitura, em Itanhaém. 



Comentários