A bruxa


Marcus Vinicius Batista

Minha mãe era uma bruxa. Sem hipocrisia, sem fazer média, sem parecer agradável em dias comemorativos, ela fazia questão de prejudicar quem estava à sua frente, quem atrapalhava seus interesses. Ela morreu há quase dois anos e, com as cicatrizes do tempo, me sinto mais confortável para te contar sobre o que ela foi capaz de fazer.

Nos últimos tempos, ela tinha problemas com uma amiga. Na verdade, falsa amiga, pois minha mãe não a via como tal. Passava-se por pessoa próxima para manipulá-la, para prejudicá-la. Achava-a insuportável e nada merecedora do que possuía. Sentia que apenas devolvia na mesma moeda. Como podia ter uma vida melhor? Como podia ser mais amada? Como podia receber tudo de mão beijada, enquanto ela – mais inteligente e perspicaz – lutara, lutara e não saíra do lugar?

Minha mãe fazia o mal sem duvidar. Só duvidava de que era mal. Era justiça social, era retribuição para livrar o mundo de quem falava em pausas, com serenidade quase infantil. Retribuição, na minha perspectiva, poderia ser traduzida como exercício de poder. Querer – e somente por desejar – o que o outro tinha ou ganhara por dom, talento ou mérito.

A amiga assumia o papel de alvo ideal. Ingênua, insegura, frágil, via em minha mãe um porto para ancorar suas dúvidas. Minha mãe era explícita pelas costas. Dúvidas, que nada! Teatrinho para conseguir atenção. Por que os fracos recebem tanto?

Minha mãe acabou consumida pela inveja. Mobilizou a vida cotidiana em torno de uma vingança sem outro lado da moeda. Construiu alianças de ocasião, fomentadas e alicerçadas pelos mesmos sentimentos, nobres para ela, perversos para os idiotas da honestidade.

A cada desgraça desta última vítima, o sorriso brotava nos cantos da boca. O choro alheio era a gargalhada de horas depois, com os aliados ou solitária, sem perceber que poderia ser ouvida. Sempre desconfiei que ela clamava por ser vista e as risadas a traziam aos holofotes. Só perdia para a voz rouca e sem vida de outra amiga, ela que também teria sua dose de rancor em tempos que não puderam ser vividos.

Naquela tarde, minha mãe representou a melhor bruxa que poderia ser. Azucrinou outros personagens, se aliou a outros escroques, despejou o texto conforme a pouca experiência para que Feiurinha se machucasse, se desse mal. A peça O Fantástico Mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira, foi a única apresentação de minha mãe como atriz, uma vilã clássica da dramaturgia infantil. 


Aquela tarde pariu o clímax de uma história que durou três anos, período que frequentou a Universidade Aberta da Terceira Idade. Uma etapa que a modificou, com a profundidade que os papéis simples exigem. Muito mais do que o ano e meio em que tive prazer de (fingir) dar aulas para ela.

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