A praça que nos convoca


Por que esta praça nunca nos convida? 

Maria Goretti

A praça não é convidativa, pois se você deseja um descanso antes de seguir a caminhada nesse calor de mais de 30 graus, aconselho que procure pausa em outras bandas. Nela não há árvores frondosas e gentis com caules tatuados por corações flechados e com as iniciais dos apaixonados.

Também não há avós orgulhosos ensinando netos a andar de velotrol ou mães cuidadosas assoprando o joelho ralado do filho e garantindo-lhe que vai sarar. Tampouco há crianças ensaiando as primeiras pedaladas sem rodinhas e pais exibindo habilidades com a bola ou no manejo com as pipas. As babás que enaltecem as posses das patroas ou seus defeitos também não são avistadas.

Nela sequer há bancos. Já pensou uma praça sem bancos? E sem bancos não há mendigos. Faltam casais beijoqueiros jurando “o para sempre” e não são vistas as entrelaçadas mãos magrinhas e manchadas pelo sol, com veias saltadas e que usam as alianças das bodas de ouro. Andam longe dessa praça as mãos ligeiras que jogam dominó e os patins são afastados pelo piso de mosaico português.

É uma praça redonda – contorno ideal para a linha 20 de ônibus - e bem barulhenta, que corta uma linda avenida de palmeiras imperiais e que somente por isso ganhou as suas, sete no total e milimetricamente plantadas em canteiros redondos e gramados. Na última reforma, a praça foi enfeitada por quatro espelhos d´agua em semicírculos e decorados nas pontas por discretas flores, único colorido.

As palmeiras cercam os espelhos d´agua que emolduram o Monumento à Independência com sua Deusa esplendorosa de roupas esvoaçantes, seios fartos, pose de triunfo e que eternamente abre suas asas sobre nós.

Às vezes, não lembramos que é um tributo aos Irmãos Andradas - José, Martim e Antônio –, gente da terra, mas o que nunca se esquece e nem se é indiferente é ao seu chamado, somente lançado quando os sentimentos se extrapolam, não cabem mais em cada um e nem em outro lugar e precisam ser agasalhados por asas audazes. 

Torcedores comemoram bicampeonato paulista do
Santos, em 2011 (Foto: Ivan Storti)
O chamado se dá em finais de campeonato, em quedas de regimes, em lutas por sonhadas mudanças, em manifestações, em resultados de eleições... e é atendido por santistas que seguem em sua direção, instintivamente - quase como tartaruguinhas que procuram o mar – e escalam suas esculturas, beijam bandeiras, chacoalham camisetas, gritam, cantam, pintam as caras, suam e não à toa consagram uma praça quase gélida, como o Coração da Cidade – pulsante!

A Praça da Independência, no Gonzaga, em Santos, nunca foi uma praça convidativa, e sim uma praça convocatória

Obs.: 15º texto da série a partir do curso "Como escrever crônicas".

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