Ela


Ilustração: Emmanuele Calisto
Marcus Vinicius Batista

Poderia te resumir em uma frase: você é indescritível. Mas soaria tão clichê quanto te dar uma rosa vermelha no dia 8 de março. Não mais injusto, canalha e cínico do que crer – como muitos homens o fazem – que uma flor poderia suportar o peso da negligência, da indiferença e da violência (física ou não) no restante do ano.

Minha admiração por você (e, por favor, leitor, estenda às mulheres de sua vida) se reconstrói dia a dia, sem protocolos, solenidades ou eventos que possam servir, eventualmente, para sustentar as convenções e aparências. Uma rosa é o olhar, um beijo, um abraço diante da dificuldade, um singelo “eu te amo”, “por favor” e “obrigado”, quando a derrota se desenha eminente ou num rodapé de uma tarefa que jamais será lembrada.

A poesia está em você enquanto caminha de pés descalços, no glamour que reside somente nos detalhes minúsculos do cotidiano. Pés que descansam no meu colo depois de horas de trabalho, que adormecem diante um filme ou um seriado de TV, escolhido somente para paralisar a velocidade da rotina.

Percebo diariamente o quanto as divagações téoricas, longe de pretensões científicas, são tão reais como vida prática. A beleza (a sua beleza!) foge das substâncias químicas que preenchem a perseguição pela estética perfeita. A beleza alcança o sublime quando você abre seus olhos diariamente. Ser bonita é o primeiro momento do dia, exposta e singela, despreocupada e ainda sonolenta. Uma mulher é verdadeiramente linda quando acorda. Misericórdia àqueles que jamais enxergaram quem se deita ao lado.

Às vezes, meu presente é poder te admirar, num intervalo entre qualquer obrigação e coisa nenhuma. Observar você, com o bônus de quem testemunha sem alardear, sem ser percebido. Olhar-te enquanto dorme, quando teus olhos desejam saltar durante um sonho, num movimento de corpo que me alcança de raspão significam o salvo conduto para seguir sem medo até a manhã seguinte. Você estará lá para a repetição (inédita) da beleza no primeiro momento do dia!

Você não é perfeita, assim como nenhuma mulher o é ou deveria acreditar que poderia ser. Sua perfeição existe nas imperfeições internas e externas, nas cicatrizes que carrega, sejam tateáveis ou simbólicas. Perfeição é a capacidade de administrar e depositar, em lugares adequados, a própria história, o passado, os equívocos, os perdões, as renovações de espírito e de sentimentos nobres.

Poderia dizer que você é minha mulher, mas a palavra minha me incomoda. É uma palavra que indica posse, e você não é e nunca será minha propriedade. Nossa relação é horizontal, sem qualquer desnível que aponte outra jornada que não seja caminhar lado a lado, de mãos dadas.

Dia 8 de março, neste caso, é um dia comum e simultaneamente especial porque me permite repetir a frase de todos os dias: obrigado por me escolher mais uma vez. Hoje, amanhã e – tomara – sempre.

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