Marcus Vinicius Batista
Quando soube quem estaria à frente da Comissão de Frente, só pude pensar em política. Para ele, arte e política se fundem em textos, cenários, atuações, direção, como se não houvesse outro caminho. Teatro, na respiração de Renato di Renzo, é grito político, é atitude sem concessões às frivolidades do entretenimento. Política até pode distrair, desde que seja para refletir, desde que seja para sacudir o lugar-comum, com o perdão das rimas verbais.
De longe, ele me pregou a primeira peça na Passarela do Samba, em Santos. Perguntava-me como Di Renzo faria, junto com Cláudia Alonso e a turma do Orgone-Projeto TamTam, para conectar teatro, Carnaval e Comissão de Frente sem parecer ofensivo ou ultrapassar os limites do enredo da União Imperial. A avenida expandia as concepções de palco, enquanto reduzia os espaços para exclusividade cênica.
A escola de samba havia feito a escolha mais adequada e coerente para aquele setor. O enredo falaria sobre o ex-governador Mário Covas; logo, não poderia escapar da trajetória política do homenageado ou dos períodos históricos. Mas quem disse que a Comissão de Frente teria que falar apenas e diretamente sobre o político nascido em Santos?
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Os ditadores |
De longe, a primeira peça era um terno branco, com algumas manchas. O terno seria a superfície para sublinhar caricaturas de políticos, daqueles que se vestiam de branco como demonstração de poder e cafonice? O terno era a fantasia que derrubava as fantasias em torno do político com vestuário de contraventor?
Mais perto, a primeira informação: as manchas eram fotografias. Mais perto ainda, era possível reconhecê-los: o terno de Renato di Renzo estava “decorado” com imagens de desaparecidos políticos. A beleza de uma fantasia, que expunha a metamorfose do horror. O cartão de visita de uma escola de samba, que agredia a imobilidade de quem vomita bobagens virtuais sobre ditadura e seus delírios em formato de benefícios.
O terno não nascera para ser vestido na rua, como manda o figurino. O terno era destinado à avenida. Mas, ali, entre o colorido de adereços, destaques e carros alegóricos, carregava o preto e o branco de quem precisava denunciar as dezenas de tons de cinza que escondem a barbárie.
Renato Di Renzo nunca anda sozinho. Traz consigo seus conterrâneos de princípios, de leitura, de broncas, de discussões sobre o papel do ator e da arte em um mundo onde os artistas transitam entre a mendicância e a mercadoria de consumo fugaz.
Mais perto, a primeira informação: as manchas eram fotografias. Mais perto ainda, era possível reconhecê-los: o terno de Renato di Renzo estava “decorado” com imagens de desaparecidos políticos. A beleza de uma fantasia, que expunha a metamorfose do horror. O cartão de visita de uma escola de samba, que agredia a imobilidade de quem vomita bobagens virtuais sobre ditadura e seus delírios em formato de benefícios.
O terno não nascera para ser vestido na rua, como manda o figurino. O terno era destinado à avenida. Mas, ali, entre o colorido de adereços, destaques e carros alegóricos, carregava o preto e o branco de quem precisava denunciar as dezenas de tons de cinza que escondem a barbárie.
Renato Di Renzo nunca anda sozinho. Traz consigo seus conterrâneos de princípios, de leitura, de broncas, de discussões sobre o papel do ator e da arte em um mundo onde os artistas transitam entre a mendicância e a mercadoria de consumo fugaz.
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A atriz e bailaria Cláudia Alonso (à esquerda) |
Logo atrás, a segunda travessura travestiu-se de bonecos. Cláudia Alonso à frente e mais uma dúzia de atores e atrizes que conduziam uma carroça, que me lembrava que o circo, a arte e o Carnaval um dia foram destinados ao escárnio, à ironia, ao sarcasmo diante do poder constituído, institucionalizado e burocrático (inclua a segunda letra ‘erre’ na segunda sílaba, caso se sinta à vontade).
Outra vez, a proximidade derrubou meu olhar que não deveria ser mais ingênuo. Todos usavam bigodes. Os bonecos caíram como máscaras. Ali, desfilavam ditadores, em memória contínua daquele que quase enterrou uma nação pela guerra e pariu um holocausto. Um bigode que sempre nos leva ao maior dos palhaços cinematográficos, à sátira chapliniana do ditador nazista.
Os ditadores seguiam as ordens do homem do sapato e terno brancos. Não havia sorrisos; ao contrário, a comissão de frente parecia se comportar como anti-carnavalesca. Missão cumprida: os movimentos atraíam a atenção das arquibancadas da passarela. Avenida não era, naquela hora, lugar de simpatia.
Outra vez, a proximidade derrubou meu olhar que não deveria ser mais ingênuo. Todos usavam bigodes. Os bonecos caíram como máscaras. Ali, desfilavam ditadores, em memória contínua daquele que quase enterrou uma nação pela guerra e pariu um holocausto. Um bigode que sempre nos leva ao maior dos palhaços cinematográficos, à sátira chapliniana do ditador nazista.
Os ditadores seguiam as ordens do homem do sapato e terno brancos. Não havia sorrisos; ao contrário, a comissão de frente parecia se comportar como anti-carnavalesca. Missão cumprida: os movimentos atraíam a atenção das arquibancadas da passarela. Avenida não era, naquela hora, lugar de simpatia.
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O chamado da liberdade |
Tive a impressão, da cabine, que Cláudia Alonso olhara para mim. Eu estava em pé, pasmo diante da Comissão de Frente da União Imperial. Em ato falho, sorri para ela. Recebi, de volta, um olhar fulminante que, se não conhecesse a atriz, me deixaria ofendido. O olhar, na obviedade do simbolismo daquele pedaço de enredo, não era para mim (quanta pretensão!). Era para quem ainda não havia entendido a importância de se conectar política, cultura, arte e liberdade. A seriedade de quem gargalha de felicidade quando a arte incomoda.
O terno branco e os ditadores encenaram o melhor recado que a União Imperial poderia transmitir na avenida. O primeiro capítulo do enredo já explicava com clareza o restante do livro. A primeira bofetada abria as alas para a riqueza que o Carnaval pode possuir e exalar, em ritmo de festa, sobre temas duros, que devem ser relembrados. Ser festivo, longe disso, significa ser frívolo.
O terno branco e os ditadores encenaram o melhor recado que a União Imperial poderia transmitir na avenida. O primeiro capítulo do enredo já explicava com clareza o restante do livro. A primeira bofetada abria as alas para a riqueza que o Carnaval pode possuir e exalar, em ritmo de festa, sobre temas duros, que devem ser relembrados. Ser festivo, longe disso, significa ser frívolo.
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A Comissão de Frente, na área de dispersão da Passarela |
Soube, horas antes de escrever este texto, que a Comissão de Frente da União Imperial receberia o Troféu Estandarte Santista, prêmio baseado em escolha popular. Não quero ser indelicado, mas o troféu – que materializa a voz de quem acompanhou as escolas de samba – reforça que rostos sisudos e passos firmes podem ser a mensagem mais carnavalesca de uma cultura. Depende do que precisa ser dito, pouco importa o tom do samba.
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