O último capítulo de uma mãe


Caro leitor, este é o 17º e penúltimo texto da série de crônicas escritas por minha mãe. Na verdade, é o último texto dela, pois ainda falta publicar uma crônica escrita por uma amiga. O título é propositalmente ambíguo. Tenta simbolizar o último texto dela, mas também o último relato que Dona Zuleica escreveu sobre a mãe dela.

Zuleica Maria de O.A.Batista

Agora, se vocês tiverem um pouco de paciência, vou contar o acontecido quando aqui chegamos. Consegui colocá-la (a mãe, Norvina) como dependente em meu plano de saúde e ficamos só aguardando a carência de um mês para providenciar a ida dela ao médico.

Durante este período, mamãe não teve nenhuma crise de vesícula, estava bem e parecia super feliz. Acho que a companhia dos netos e da bisneta estava lhe fazendo muito bem. Costurava quase todos os dias na parte da tarde e já falava em passar o Natal e réveillon por aqui. Mas a realidade foi outra e sei que o momento também já passou, mas quero relatar mais ou menos o que ocorreu. Só peço um pouco mais do seu tempo.

No começo de outubro de 2008, ela fez a consulta com o médico cirurgião daqui (Santos/SP), que pediu uma série de exames pré-operatórios, inclusive que passasse em um cardiologista para ver como estava o coração e, então, operar. Ela consultou também uma ginecologista, que indicou a retirada do útero, pois havia sangramento uterino desde fevereiro. Ela vinha escondendo de mim.

Bom, feito todos os exames e entregues em 12 de dezembro de 2008, o tal cirurgião não tinha data na agenda, e a cirurgia ficou para janeiro de 2009. Aguardar então.

Em 22 de dezembro de 2008, mamãe passou mal, teve uma queda violenta de pressão, não dizia coisa com coisa, e a levamos para a Santa Casa de Santos, onde ficou internada quase dois meses, exatamente 56 dias.

Internou-se com um quadro clínico indefinido. O coração estava muito fraco, aí surgiu um coagulo no pulmão, fora a hemorragia uterina que ela vinha escondendo e mais a febre diária por causa de uma infecção urinária que exigiu mais de 15 dias de tratamento com antibióticos fortíssimos.

Em todo esse período, sempre estive muito tranquila. Em nenhum momento pensei o pior, pois testemunhava toda a assistência médica que ela vinha tendo. Só que as complicações foram tantas, que costumo dizer que virou um “samba de crioulo doido”.

Quanto à cirurgia da vesícula, o médico não quis operar por causa da febre constante e também o coração, que não ajudava, estava muito fraco.

Por isto tudo, passamos o Natal e réveillon no hospital, mas graças a Deus na quarta-feira antes do Carnaval, o médico deu alta a ela e voltamos para casa. Dona Norvina ficou muito feliz e todos nós, aqui de casa, é claro. Até parece que íamos cair na folia.

Mesmo com alta e em casa com a família, sentia que mamãe não tinha melhorado quase nada, apesar de ter mudado de ambiente. Ela estava contente, mas dizia se cansada. Ficava só na cama, não queria se movimentar e apresentava comportamento muito arredio. Acho que muitos dias hospitalizados contribuíram para uma pequena confusão mental. Às vezes, não dizia coisa com coisa.

Tomava uma batelada de remédios que só piorava o estômago, pois não se alimentava direito e, com isto, me deixava muito preocupada.

Em 6 de março de 2009, o último dia de vida, ela estava ótima. Passeou no corredor com o Ramos, aliás, toda manhã ela andava um pouquinho no corredor com ele. Almoçou bem, quis comer peixe com molho de camarão, que providenciei. E lá pelas 17h ainda tomou lanche com o Marcus Vinicius, que se despediu dela e foi trabalhar.

Às 19h30, mais ou menos quando o Ramos chegou, fui até o quarto chamá-la para jantar conosco e encontrei minha querida e amada mãe morta.

Foi a vontade DELE, não a minha. Estou em lágrimas e muito emocionada.

Tenho que admitir, aceitar e reconhecer que a mamãe morreu como muitos idosos morrem: um probleminha no pulmão aqui, outro no rim ali, e depois aparece uma infecção, um sangramento, e o coração não está mais tão bem. Não foi um problema só, foi a somatória de uma série de problemas em órgãos vitais que acabaram levando-a à morte.

É difícil dizer, mas o mais importante é que isto ocorreu de forma indolor, em casa, cercada dos entes mais queridos, em silêncio e em paz, com dignidade e respeito. Este tipo de morte tem acontecido cada vez menos, e é uma pena que seja assim.

A morte é e sempre será para nós um mistério. Não conseguimos entender, parece um absurdo que ela tenha de ocorrer e nossa cultura não favorece a aceitação dela, pois vivemos evitando a todo custo pensar e falar deste momento, que é o destino final de todos nós.

Quatro meses já se passaram e ainda está muito difícil falar sobre isso sem chorar. Não consigo deter as lágrimas. Acho que é a revolta natural do "por que comigo?"

Fui posta a esta dura prova e não sei ainda como conseguir sobreviver. Sinto que depois dessa separação, nunca mais serei a mesma. Tenho andado meio fora de órbita, sentindo-me tipo nau sem rumo, sabe como é? Mas estou lutando bravamente, tentando retornar a rotina, procurando aceitar o inaceitável e não ser infeliz demais.

Sei que este é um momento só meu e que é preciso um tempo para me acostumar a essa separação, porque o vínculo e os laços ficarão para sempre. Talvez seja o que mais tenhamos de verdadeiro nesta passagem tão precária: as lembranças e a saudade.

Sei também que isto tudo é normal e que estou fazendo as coisas da forma certa, ou seja, não negando o sofrimento e procurando enfrentá-lo, transformando-o em uma vivência que faz parte da vida de todos nós e que necessariamente nos fortalece.

Nossa! Desculpe-me se alonguei demais, mas este desassossego me levou a escrever, expondo com extrema sinceridade o que sinto, preenchendo assim este meu momento de tristeza, desabafando e compartilhando com vocês minha dor.

Estou com os olhos marejados. Penso sempre em todos vocês e no carinho que dedicaram à minha mãe. Relembro de cada telefonema de vocês quase que diários, durante a permanência dela aqui.

Obrigada! 

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