No sotão com a vovó




Zuleica Maria O.A.Batista


Com sete anos, eu tive sarampo. E meus pais me levaram para a fazenda de minha avó paterna (como num isolamento). Ficaria por lá até sarar e poder voltar à cidade e para a escola também.

Lembro-me de minha avó de estatura baixa, coque e usando roupas longas e escuras. Ela era muito enérgica. Na fazenda, ela tinha o controle de tudo. Ditava as regras e proibições. No casarão, havia um sótão cercado de mistério. Só minha avó tinha a chave e ninguém podia entrar lá.

Os adultos contavam histórias horripilantes do “arco da veia”. Na imaginação da criançada, surgiam medos e dúvidas quanto à veracidade das histórias.

Durante esse período de “quarentena” que fiquei na fazenda, diariamente, via minha avó subir até o sótão. Várias vezes, mesmo estando doente, ia atrás dela, pé por pé, na tentativa de descobrir o grande mistério do sótão.. Mas ela sempre me mandava de volta, recomendando que ali era proibido entrar.

Certo dia, ela me pegou de jeito... “Vem cá, moleca, vou matar sua curiosidade e mostrar-lhe as preciosidades que guardo aqui.” Nossa! Levei um susto. Não esperava que ela fosse me deixar entrar e tive medo. Entramos. O sótão era um quadradão, limpinho, limpinho.

As paredes estavam forradas de fotos. Fiquei ali parada, de olhos arregalados, vendo aquelas pessoas penduradas na parede sem entender nada. Eram fotos antigas de meus antepassados mortos e vivos. Tudo muito bem organizado com molduras antigas. Uma verdadeira galeria.

Lá no fundo, tinha uma mesa enorme, bem grande, e uma cadeira que ela me disse ter pertencido ao pai dela. Embaixo da mesa havia um velho baú que ela explicou que servia de cofre, onde guardava seu rico dinheirinho. “Uau!”

Quando ela abriu aquele baú, fiquei paralisada ao ver tanto dinheiro. Lógico, não sabia avaliar o valor de toda aquela dinheirama, mas foi para mim uma das mais inesquecíveis imagens registradas na minha infância.

A partir daquele dia, fui autorizada a acompanhar minha avó até o sótão. Foram muitas revelações e grandes emoções. Ela mostrava e falava das pessoas expostas na galeria. Contava a história de vida de cada uma. Relatava situações de dor, sofrimento, mágoas, ódio, felicidade etc. Fui entrando na vida das pessoas e deixando as pessoas entrarem em minha vida. Foi ali no sótão com a vovó que aprendi que laços familiares costumam ser complexos.

Ironias da vida. Toda a fortuna de meus avós foi dilapidada pelos herdeiros e todo aquele acervo de fotografias se perdeu com o tempo.

Tenho uma única foto de minha avó que guardo com muito carinho.

Junho/2011

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