Apesar de escorregar de vez
em quando, a indústria do cinema sabe onde pisa. Conhece bem o público médio e
testa novos limites com a consciência de que as reações da audiência serão
previsíveis. É o público médio que lota as salas e multiplica os lucros ao
consumir os produtos licenciados pela marca.
O
filme “O Espetacular Homem-Aranha” une dois sinais de como Hollywood se
comunica com clareza. O mais simples deles é estender o retorno financeiro com
as franquias de super-heróis nascidos nas histórias em quadrinhos. Recontar a
vida de Peter Parker segue o destino desta linhagem de adaptações dos
quadrinhos: mais uma trilogia, assim como os filmes da década passada.
O segundo sintoma talvez seja o mais arriscado: recontar
as mesmas tramas sem que as versões anteriores possam ser esquecidas pelo público
acima de 20 anos. Agora, a proposta é explorar o público adolescente –
egocêntrico a ponto de desprezar o passado cinematográfico –, além de alcançar
os adolescentes tardios, jovens que se aproximam de crianças quando se sentem
seguros diante de enredos conhecidos e repetitivos.
Para atender uma parte do público, infantilizado não
apenas no cinema, a indústria adotou uma solução simples para refazer a origem
do Homem-Aranha, em um prazo curto, sem escancarar a clonagem de roteiro.
Contar a história de um ângulo diferente foi a saída para manter atraente o
nascimento de um personagem.
O
ângulo do filme dirigido por Marc Webb – conhecido pela comédia romântica “500
Dias com Ela” – foi acompanhar a linha de HQs Ultimate, que mantém os
personagens presos na adolescência deles.
O filme tem como foco Peter Parker. O Homem-Aranha, na
verdade, se fica relegado à coadjuvante do adolescente, antes nerd, hoje geek
(para manter a coerência com os modismos e seus rótulos). Na nova versão,
Parker continua sendo molestado na escola, mas anda de skate e atrai alguma
atenção das mulheres pelas habilidades como fotógrafo.
O enredo se sustenta nas dúvidas, incertezas e na
arrogância de um adolescente, interpretado por Andrew Garfield (A Rede Social).
O ator de 29 anos funciona como alguém mais jovem e mantém sintonia com Emma
Stone, no papel de Gwen Stacy. A sensação é de que este casal convence mais do
que Tobey Maguire e Kirsten Durnst, que fez Mary Jane na trilogia anterior.
No entanto, a principal mudança deste filme é construir
outra motivação para Peter Parker, diferente dos quadrinhos e das demais
produções cinematográficas. Os pais dele, apenas mencionados na versão original,
aparecem no início da história. As pesquisas genéticas de Richard Parker,
interpretado por Campbell Scott, aguçam a curiosidade do adolescente e o
aproximam de Kurt Connors, que se transformará no Lagarto.
Embora tenha relacionamento paternal com Tio Ben, Peter
Parker sofre com o trauma da perda dos pais. O desaparecimento deles o motiva a
investigar o trabalho científico de Richard, tema que indica que as relações
com a ciência serão retomadas nas sequências cinematográficas.
Outro sintoma de que Parker superou o herói mascarado
está justamente na preservação da identidade dele. Peter Parker, sempre que
pode, tira a máscara. Banaliza o mistério. Conta seu segredo para Gwen Stacy
como se fosse um assunto trivial. As incertezas sobre a identidade ficam
restritas ao adolescente em si, nem tanto ao papel que deve cumprir. Até a
famosa frase “grandes poderes trazem grandes responsabilidades” ganhou nova
versão.
Ao contrário do filme de Sam Raimi, o vilão não disputa
atenção dos espectadores, como foi o Duende Verde, de Willie Dafoe. Lagarto é
feito por Rhys Ifans, ator inglês pouco conhecido do grande público. É uma
tendência dos últimos filmes de super-heróis. Nada de Gene Hackman como Lex
Luthor nos anos 70, Jack Nicholson ou Heath Ledger como o Coringa em dois
séculos diferentes.
Por outro lado, o elenco de apoio é experiente e dá
suporte ao protagonismo de Garfield. Martin Sheen faz Tio Ben; Sally Field, Tia May; Denis Leary, o capitão
Stacy. Até
os pequenos papéis são importantes. Thomas C. Howell, por exemplo, representa o
operário cujo filho é salvo pelo Homem-Aranha. Como sempre, Stan Lee, um dos
criadores do Homem-Aranha, faz uma ponta, mas – desta vez – é o momento mais
cômico da história.
Os fãs de histórias em quadrinhos devem se irritar com as
modificações da origem do herói, mas a indústria já indicou que as reações
significam efeitos colaterais de fácil administração. Filmes como este desejam
e alcançam um público que conhecem o personagem somente do mundo audiovisual.
Uma observação: como ritual da linha de filmes de
super-heróis, há uma cena extra no meio dos letreiros finais. É ali que se
confirma que haverá uma sequência, além de uma aproximação com a turma de “Os
Vingadores”.
Obs.: Texto publicado originalmente no site Cinezen.
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