A senhora das imagens

A atriz Mariana Terra

A psiquiatra Nise da Silveira, quando lembrada por jornalistas, normalmente é associada à criação do Museu do Inconsciente, no Rio de Janeiro, e ao trabalho terapêutico que aproximava os pacientes das artes plásticas. De fato, é seu maior legado, mas há outras mulheres em Nise. As outras faces da psiquiatra são o fio condutor da peça “Nise da Silveira – Senhora das Imagens”, em cartaz no Teatro Eva Herz, em São Paulo.

A peça, que infelizmente encerra temporada nesta sexta, dia 27, é um monólogo interpretado pela atriz carioca Mariana Terra. Mas não espere por uma exposição exclusiva da artista no palco. O diretor Daniel Lobo, também responsável pela dramaturgia, criou um espetáculo em caráter multimídia, com locução, trechos em vídeo e momentos de dança.

Para sustentar tantas linguagens, a peça conta com coreografia de Ana Botafogo, locução do ator Carlos Vereza (que faz a Voz do Inconsciente), e depoimentos em vídeo do poeta Ferreira Gullar e do diretor de teatro José Celso Martinez Côrrea.

As demais vozes funcionam, realmente, como alicerces, sem o uso indiscriminado ou um foguetório cênico. A peça é Mariana Terra. A atriz, literalmente, derrete no palco em uma hora e meia. Além da capacidade de atuação, Mariana precisa de preparo físico para dar conta de expelir a intensidade que foi a vida de Nise da Silveira. 



A atriz, cujo pai – também psiquiatra – conviveu com Nise, mostra versatilidade em dançar, viver múltiplos personagens que testemunharam momentos da médica e, inclusive, interagir com o público, na busca de depoimentos que complementem trechos do texto, com a doçura e a firmeza que simbolizavam a psiquiatra. Os diálogos com a plateia são outro espetáculo dentro do texto.

O Teatro Eva Herz, aconchegante em seus 160 lugares, funciona como meio de aproximação entre as fases da vida de Nise da Silveira e o público. A sensação, por vezes, é de vivenciar o cotidiano de um hospital psiquiátrico quando eletrochoques eram a grande novidade no tratamento dos pacientes. As laterais do teatro serviram de extensão do palco ao abrigarem reproduções de obras produzidas pelos artistas descobertos pela psiquiatra, que revolucionou o acompanhamento de pacientes no país.

O maior mérito da dramaturgia foi escapar do que costuma ser senso comum quando se fala em Nise da Silveira. A proposta, de fato bem sucedida, foi conduzir o espectador aos caminhos que levaram a psiquiatra a chegar na relação entre arte e tratamento.

“Nise da Silveira – Senhora da Imagens” começa na chegada dela ao Rio de Janeiro e transita pelas dificuldades em se tornar médica no Brasil na primeira metade do século passado. A peça explora com veemência o lado político de Nise, o que inclui a formação, a militância e, principalmente, a prisão durante a ditadura Vargas, quando conhece – por exemplo – o escritor Graciliano Ramos. 

Nise da Silveira

O espetáculo também esmiúça a aproximação intelectual dela com o psiquiatra suíço Carl Jung, sobre quem escreveu, e de quem atraiu a atenção pela inovação no tratamento.

Embora esteja em cartaz há seis meses, é uma pena que “Nise da Silveira – Senhora das Imagens” encerre a temporada na capital paulista. No ano passado, esteve em cartaz no Rio de Janeiro e foi considerada pela crítica um dos melhores espetáculos de 2011. De fato, a peça é como sua protagonista: sólida em derrubar muros de preconceitos contra doentes mentais; poética em cultivar a esperança para quem as paredes, simbólicas ou de tijolos, são a única visão do mundo lá fora.

Comentários

Essencial disse…
Caro Marcus, na saudade que se aproxiuma da ''despedida'' da temporada que finda daqui algumas horas, encontro palavras benvindas de paz. Obrigado pelas palavras e acolhida. E que possamos, todos, renascer em Nise.
Essencial disse…
Caro Marcus. Na saudade que se aproxima da ''despedida''da temporada que finda daqui algumas horas, encontro palavras de paz. Obrigado pela acolhida. E que possamos todos renascer em Nise.