Que Deus nos proteja!


Com o início da corrida eleitoral, os políticos deixam aflorar uma das suas principais características: adoram festas. Não se trata de comer e beber de graça, até porque a receita indica apenas degustação para suportar a maratona de visitas e evitar qualquer imprevisto estomacal.

Ali, em um ambiente mais descontraído, eles entendem ser mais saborosa a aproximação, abordagem e manipulação de suas vítimas. Freqüentam jogos de futebol, churrascos, noite de pizza, casamentos, aniversários e batizados.

Até a velha feira livre ganha singularidade, onde se multiplicam apertos de mão, beijos, abraços, crianças no colo e apresentações de novos “amigos” a se esquecer nos cinco minutos seguintes. Preparados e higienizados para o “confronto” com o eleitor em potencial, os candidatos são observadores. Recitam a tabuada eleitoral com eloquência, sem o menor rastro de que decoraram o texto.

Mas a classe política em campanha precisa da purificação ou do exorcismo. Não basta gastar sola de sapatos para ser visto como trabalhador ou como alguém interessado em problemas coletivos. É fundamental parecer um sujeito de alma limpa, sólido espiritualmente, sensível às questões filosóficas mais profundas do ser humano. O candidato deve ser, em essência, um homem de fé, ainda que seja a máscara da fé exclusiva em si mesmo.

Numa época em que religiões se multiplicam como produtos em prateleiras de supermercado, qualquer candidato que se preze acredita nas variações de Deus. A fórmula é crer em um ser supremo capaz, acima de tudo, de mutação conforme a doutrina, conforme a camisa da bancada da fé.

Políticos distorcem o papel de missionários. Não levam a palavra. Buscam a conversão sem ouvi-la. Colecionam fiéis, de qualquer idioma. Acompanham rituais na fila do gargarejo, mas de olho no relógio para o compromisso seguinte, às vezes de doutrina distinta. Adeptos do sincretismo eleitoral, conversam com todas as alas e fazem o outro acreditar que a sua crença é a preferida.

Embora as candidaturas ainda não estejam oficializadas, os concorrentes se postam como irretocáveis em missas, cultos, sessões espíritas e outros eventos correlatos. Alguns negam a força da religião, pregam o Estado laico oficialmente, enquanto flertam com a fé alheia.

A prova de fé está, por exemplo, nas redes sociais. Não basta ir à missa de domingo. A ordem agora é que seus apoiadores – pagos ou não – divulguem as imagens do evento no Facebook. E compartilhem, comentem, como a grande novidade do dia. É o sacramento cumprido com rigor monástico.

O nascimento e crescimento de diversas religiões fizeram com que a moral cristã (em suas interpretações) se tornasse pré-requisito para o sucesso nas urnas. Na última eleição presidencial, Serra e Dilma entraram em um debate estéril sobre aborto, sem contribuição para o tema como saúde pública ou para a agenda política brasileira. Apenas para agradar uma parcela do eleitorado.

As bancadas da fé se organizaram e se assumiram desta forma na busca de seus próprios interesses. Para algumas religiões, ocupar cadeiras no Executivo e no Legislativo compõe um projeto de poder e expansão patrimonial.

Neste cenário, até políticos outrora ateus resolveram entrar na ciranda das crenças. Adaptam os programas de governo a líderes religiosos, prometem ações específicas para uma corrente ou outra, juram amor ao Deus do interlocutor.

É claro que institucionalizar uma religião sempre é um ato político. Mas transformar a fé em votos na urna soa mais como heresia, na qual o político jamais expurgará seus pecados. A fogueira sobrará inevitavelmente para o eleitor, crente nas falsas promessas libertadoras do visitante de ocasião.

Comentários