Luiz de Souza trabalha 16
horas por dia. Poderia ser escolhido como funcionário do mês e ganhar como
prêmio uma foto pendurada nas dependências da empresa. Mas Luiz não entra nas
empresas onde trabalha. Sempre as vê como espectador externo.
Se vivesse há 150 anos e morasse na Inglaterra,
fatalmente Luiz estaria numa linha de produção fabril, com pouca chance de
segurança no trabalho e sem direitos trabalhistas. Hoje, ele é quem faz
segurança do patrimônio alheio, armado de celular e com preparo técnico baseado
no bom senso.
Os
direitos trabalhistas são parciais para ele porque um dos empregos, na verdade,
é um bico. Bico sem adicional noturno ou por insalubridade. Se for dispensado, não
terá aviso prévio, indenização ou baixa em carteira.
Em
outros tempos, Luiz poderia se candidatar ao prêmio de operário-padrão? Não,
pois sua atividade profissional não é considerada produtiva por muitos de seus
clientes. Ele vive parado, em pé, no mesmo lugar. Como poderia produzir algo se
o comparam a uma samambaia?
Luiz
padece de invisibilidade. Até colegas não o cumprimentam. Lembram-se dele
quando precisam de ajuda para carregar sacolas, mochilas e outras
quinquilharias escolares. Muitos pais - e até os mesmos colegas – ainda assim
não o agradecem. Não teria feito mais do que a obrigação.
Ele
trabalha como segurança em uma empresa terceirizada, em Santos. A empresa o
designou para atuar numa escola de elite. Excetuando o horário de almoço, Luiz
permanece em pé, na frente da escola, 12 horas diárias. Ele não é o porteiro,
que pode se sentar em um banquinho, uma mordomia para as circunstâncias. A
função de segurança exige que esteja em pé, alinhado, e de gravata, a cereja de
bolo do uniforme que o transforma na inexistência.
O
salário é quase um assalto, numa relação em que o funcionário se comporta como
vítima voluntária. O valor é impraticável para sustentar a esposa e dois
filhos. Pessoas quase fantasmas na vida dele. Luiz se hospeda na própria casa,
onde aparece basicamente para dormir. Pelo menos tem direito ao café da manhã.
Depois
da escola, ele tem uma hora de intervalo, período que aproveita para comer
alguma coisa, se livrar da gravata e do uniforme, vestir camiseta, bermuda e
tênis. A informalidade das roupas é coerente com a informalidade do segundo
emprego.
Luiz,
a partir das 20 horas, é segurança de um restaurante, localizado a uma quadra
da escola. Para ele, o bico é vantajoso porque permite a economia de
transporte, além do jantar gratuito todos os dias, ainda que seja sempre pizza.
O segurança pode variar os sabores, mas precisa economizar nos pedaços, já que
os quilos a mais teimam em se multiplicar.
No
restaurante, são quatro horas de expediente, com folgas às segundas. Na escola,
a folga acontece nos finais de semana, dias de maior movimento na pizzaria.
Folga de um dia inteiro? Luiz faz contas para se lembrar de quando aconteceu. A
resposta não vem acompanhada da certeza.
Luiz
nunca recebeu honrarias fotográficas ou remuneradas por desempenho. Jamais
entrou na política de divisão de lucros das empresas que protege. Mal se dá
conta que não será premiado por metas alcançadas e outros termos ilusórios do
mundo corporativo.
Mas ele certamente se
encaixa em um padrão. Ele é um trabalhador brasileiro, lembrado com certa dose
de cinismo neste dia 1º de maio. Neste dia, as comemorações envolvem aparar a
grama e cuidar do jardim do prédio em frente à escola. O jardineiro improvisado
é a versatilidade de quem precisa de mais R$ 50 para aliviar as contas que
cismam em subtrair todos os meses.
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