O Barcelona é um time que escancara nossa humanidade. Desperta os melhores e piores sentimentos durante uma partida de futebol. E um grande time, daqueles nos impregnarão de saudades daqui a alguns anos, não é feito somente de talento, técnica, ciência e bons resultados. Um grande time jamais nos deixa sofrer de indiferença.
O Barcelona nunca foi imbatível. Soaria como ingenuidade, tolice ou distração crer que duas derrotas empurraram uma equipe desejável para o rodapé da história. Os exemplos, dentro e fora do Brasil, se multiplicam. E nenhum deles se transformou em imbatível. Falhou em horas decisivas, escorregou em adversários menores, pisou no próprio favoritismo e, às vezes, na própria soberba.
O Santos de Pelé e companhia; o Flamengo de Zico, Andrade e Adílio; o Palmeiras da Academia do professor Ademir; o Corinthians da democracia, liderado por um médico de calcanhar mágico; o São Paulo de Careca, Muller, Silas e Pita. Dentro do país, há uma lista imensa de times que encantaram por talentos individuais, por entrosamento, pela mescla de craques com bons jogadores e carregadores de piano. Estas equipes atravessaram fases difíceis e momentos de flerte com a perfeição.
No exterior, diversas seleções e clubes também nos mataram de inveja por nos mostrar que o Brasil não é único paraíso do futebol. Este esporte é volúvel quando quer. Desloca o glamour da festa quando deseja sufocar uns e maravilhar outros.
A beleza de um time e o passaporte para a memória não estão restritos aos resultados. As derrotas ensinam também o exercício da admiração. Olhar apenas os números é reforçar o argumento dos comentaristas de melhores momentos, de prazeres mórbidos no fracasso alheio e cegos em entender a magia das entrelinhas.
A ambivalência de sentimentos se traduz em duas seleções brasileiras. Admiramos a de 1982, com vários craques e um jeito de jogar nascido na mente de Telê Santana. O Brasil perdeu uma partida, mas não nos importamos quando associamos futebol e arte.
A seleção de 1994, tetracampeã, possibilita o olhar pragmático, da vitória com uma defesa sólida. Nesta equipe, também somos paradoxais quando endeusamos Romário como causa pela vitória, mas também elemento artístico daquele grupo.
O Barcelona não pode ser resumido à última semana. O time espanhol esfrega no nosso rosto aquilo que nós, brasileiros, perdemos como regra geral. Nós nos agarramos em exceções, como Neymar, pelo auto-engano de sustentar a arrogância de quem se atrapalhou no meio do caminho, sem perspectivas de localização. Neymar é a personificação do lado artístico que adoraríamos ressuscitar em larga escala.
É compreensível que muitos torcedores se unam para secar a equipe espanhola e vibrar por qualquer adversário, inclusive um inglês que reproduz a mecânica robótica do futebol atual. Admitamos: estamos com fortes dores em ambos os cotovelos. Não é o despeito santista – esta mágoa me parece digerida -, mas a inveja de que não temos material humano, mais a vaidade de nossos técnicos, para dar conta de um esquema tático de origem ibérica que tortura o adversário lentamente.
Procuramos defeitos na estratégia, criticamos um ou outro personagem, fazemos questão de lembrar que Pep Guardiola utiliza o Brasil como referência. São sintomas de quem precisa exorcizar as próprias falhas, entender os equívocos efetivamente como retrocessos.
Mais do que pedir pela desgraça de quem nos ignora, por que não admirar a beleza do jardim do vizinho? Por que não aprender com o outro lado do muro? Neymar se multiplica em cada canto do nosso quintal, mas ele talvez esteja escondido entre as ervas daninhas.
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