União Leiria e Feirense
fariam um jogo desimportante pelo Campeonato Português. Mas o confronto entrou
para história. Não houve quebra de recorde, registros de violência ou resultado
anormal. Na verdade, espero que a partida seja lembrada pela importância
trabalhista, como um estímulo para a discussão sobre as relações entre
jogadores e clubes, como empregados e patrões.
O União Leiria não paga salários há quatro meses. O time
está virtualmente rebaixado para a segunda divisão do campeonato. Diante do
impasse, 16 atletas reincidiram contrato com o clube. Sobraram nove no elenco.
Um deles teria ido ao estádio, mas se recusou a entrar em campo. O União Leiria
enfrentou o Feirense com oito jogadores e, no banco de reservas, somente a
comissão técnica.
A greve dos jogadores do União Leiria colocou na pauta as
relações trabalhistas entre clubes e jogadores. No futebol, nem a palavra
escrita é garantia de compromisso. Contratos são rompidos como se rasga papel
higiênico no banheiro. Todos os envolvidos testam ignorar a legislação, cientes
de quem podem escapar ilesos, com a complacência dos tribunais desportivos em
geral e, por vezes, da própria Fifa.
Os clubes se tornaram, em todo o mundo, reféns
voluntários de empresários, até porque também lucram com as transações. Ou
seriam os dirigentes? Por conta das dívidas contraídas pelas agremiações, é até
redundante considerar esta hipótese.
O
jogador, tratado como mercadoria, é o único produto que sobe ou cai de preço
sem a menor possibilidade de explicação econômica, pouco importa a teoria em se
busque resposta.
Costumamos observar somente a cereja do bolo. Olhamos
para os grandes clubes, para os negócios milionários, para o lado glamouroso do
futebol. Se virarmos as lentes para o interior do Brasil, por exemplo, a
profissão está sucateada. Os atletas recebem remuneração que, muitas vezes, mal
ultrapassa um salário mínimo. Atuam como ciganos para conseguir jogar a
temporada completa. O roteiro de viagem é estabelecido por quem administra os
times e carrega a trupe atrás de campeonatos.
Um exemplo é a Portuguesa Santista, hoje na quarta
divisão do Campeonato Paulista. A equipe, há nove anos, chegou às semifinais da
elite, mas dava sinais de que havia repassado seu patrimônio humano a empresários.
Atualmente,
para se manter na ativa, o clube assumiu de vez que as equipes serão formadas
por pacotes de agentes, com alterações substanciais todos os anos, sem
vínculos, sem identificação entre jogadores e agremiação, como a relação entre
hospedeiro e vírus.
Neste
sistema sem regulação, muitos jogadores encerram a carreira antes dos 30 anos,
sem outra experiência profissional ou escolaridade suficiente para mudar de
atividade. Terminam em sub-empregos dentro do próprio universo do futebol.
Entre
os clubes, prevalece a farra financeira. O crédito parece inesgotável para
sustentar uma festa de marketing que engana torcedores, enquanto o patrimônio
do clube é colocado em risco como numa roleta de cassino. Até quando teremos
salários astronômicos como falso sinônimo de pujança econômica?
Na
Grécia, vários times quebraram, arrastados pela crise financeira global.
Barcelona, Real Madrid, Manchester United, todos os grandes clubes europeus
devem até o pescoço. Nada diferente dos times brasileiros, sejam pequenos,
médios ou grandes.
O
Flamengo, por exemplo, deve mais R$ 300 milhões. Se oferecer todo o patrimônio
como garantia, ainda restará metade da dívida, segundo as estimativas mais
otimistas.
Não
há exceção entre os clubes das duas primeiras divisões do campeonato nacional. E
não existe teto para gastos. Jogadores são contratados sem perspectiva ou
planejamento financeiro. O atacante Adriano, por exemplo, só foi dispensado do
Corinthians depois de 60 faltas a compromissos profissionais.
Depois
de passar tanto a mão na cabeça de seu funcionário (ele não é colaborador,
voluntário ou simpatizante; é empregado muito bem remunerado, por sinal), o
clube ficou horrorizado que o jogador entrou na Justiça tentando arrancar mais
dinheiro da instituição.
Recentemente,
o Palmeiras passou vergonha ao buscar na Internet recursos financeiros para
contratar Wesley. Os torcedores podem ser cegos de paixão, mas não são otários.
O clube já indicou dificuldades para pagar o Werder Bremen, da Alemanha. No
último mês, o déficit do departamento de futebol do clube foi de R$ 5 milhões, segundo
o jornal Folha de S.Paulo.
Greves
são parte das relações trabalhistas e seria ótimo se a decisão dos atletas do
União Leiria se multiplicasse. Cenas como esta vão expor o gigante de pés de
barro que se tornou o futebol internacional.
Por
enquanto, são atos isolados, como o dos jogadores do Vasco, que se recusaram a
concentrar em hotéis no início do ano. O clube devia dois meses de salários
mais o 13º. Na Argentina, atletas paralisam o campeonato por conta de
vencimentos não pagos pelos times.
Se o
futebol se considera negócio, e dirigentes batem no peito que gerenciam uma
atividade profissional de fato, não seria incoerente cumprir a legislação
trabalhista. Mas será que, nas disputas de poder, há interesse em investigar as
caixas pretas? Quantos saíram algemados de seus clubes?
Enquanto
a festa produzir ganhos para todas as partes, a promiscuidade das relações será
parte da rotina. E os jogadores, mal preparados e informados, continuarão
alienados, estéreis em se organizar como grupo profissional, mesmo que se mexa
em seus bolsos.
Em tempo: o Feirense venceu por 4 a 0. Fez diferença?
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