Consumo em três atos

Primeiro ato. Uma psicóloga contratou uma empresa para reformar o piso do apartamento. O proprietário, com outra obra simultânea, largava o serviço por até três horas. Ausente, deixava, às vezes, dois funcionários no local. No momento em que a reforma alcançou um dos quartos, ela estranhou o silêncio do trabalho. Ao entrar no cômodo, viu ambos dormindo. Surpresa, ela perguntou se havia falta de material ou de equipamento. Diante da negativa, restou a eles retornar ao serviço. A obra foi entregue com dias de atraso.

Segundo ato. Uma amiga estava de mudança e precisava fechar o buraco do aparelho de ar-condicionado antes de entregar o apartamento à imobiliária, em São Vicente. Depois de procurar dois profissionais, encontrou o preço mais barato: R$ 250. Meia hora de trabalho para fechar um buraco na parede. Ela apelou para o pai, que executou o serviço.

Terceiro ato. Vinte e cinco pessoas se reúnem para a comemoração de formatura numa pizzaria de Santos. Dois garçons decidem, à revelia dos clientes, dividir o grupo em cinco mesas. No final da comemoração, as contas foram entregues em separado. Um dos grupos teria pedido quatro doses de cuba libre. As bebidas foram cobradas de duas “mesas” diferentes.

Os garçons insinuaram que os clientes tentavam enganar o caixa. Depois de uma primeira discussão, a conta foi reduzida em R$ 40. Quando uma das clientes conferiu a conta novamente, percebeu que o restaurante cobrava quatro cervejas a mais. Novamente questionados, os garçons levaram o caso à gerência. Neste momento, os clientes já estavam fora da mesa, diante do caixa. A gerente não conferiu a conta e gritou para o caixa:

- Desconta as cervejas deles, porra!

O tom de voz da gerente indicava que fazia um favor aos fregueses. A conta caiu mais R$ 25. Nenhum equívoco foi reconhecido pela pizzaria.

Os três casos aconteceram nos últimos 30 dias e mostram como as relações entre empresas, prestadores de serviço e consumidores ainda permanecem sob conflito. É claro que a implantação do Código de Defesa do Consumidor, há 20 anos, representou um divisor de águas neste casamento.

A evolução evidencia o consumidor mais consciente de quem deve procurar quando se sente lesado. Por outro lado, muitas empresas e prestadores de serviço apostam na ingenuidade e na desinformação dos clientes para empurrar produtos inferiores às promessas feitas na venda.

Uma grande empresa de varejo, por exemplo, engrossou a lista de reclamações em Procons depois da liquidação, entre o Natal e o reveillon. A esmola foi tanta e, como ninguém desconfiou, muitos consumidores abriram as caixas em casa com peças em falta ou defeitos em série.

Muitas empresas, sedentas de vender a qualquer ou com qualquer preço, se sentem como se prestassem caridade aos fregueses. Um favor que inclui omissão, falta de educação de funcionários ou descaso com a entrega. Quantas vezes você esperou horas por um prestador de serviços que não apareceu? Quantas vezes você comprou uma mercadoria e, ao perguntar sobre o horário de entrega, ouviu como resposta: horário comercial?

Esta postura conta, de certa forma, com a conivência dos consumidores, que não percebem que ações coletivas obtém resultados melhores. Comprar em grupo na Internet, atrás de descontos generosos, não serve como referência. Somente reforça o individualismo que ratifica o comportamento predador de muitas empresas. A lei é sólida e nos protege, mas falta aos envolvidos absorvê-la como mentalidade e não apostar na impunidade nas relações comerciais.

Comentários

edu vieira disse…
comprei no natal e tive dúvidas...deu tudo certo, mas sou o rei de reclamar nos lugares...porém, tb há o comprador com o rei na barriga que trata vendedor, seja em que setor for que trata os empregados dos lugares como escravos...usando a frase que se transformou no famoso bordão "tô pagando".