O transporte para "gente diferenciada"


Santos e Praia Grande aumentaram o preço das passagens de ônibus neste domingo. Vou focalizar esta análise na cidade de Santos, a maior do litoral paulista, mas muitos dos pontos também se fazem cotidianos na vizinha Praia Grande.

O preço da passagem, em Santos, subiu de R$ 2,65 para R$ 2,90. O reajuste é da ordem de 9,5%. A inflação do período foi de 6,5%. Mas sempre há uma justificativa governamental, de mãos dadas com as empresas concessionárias. A desculpa costuma ser repetitiva e soa como piada de mau gosto para os usuários.

De acordo com a Prefeitura de Santos, andar de ônibus está mais caro porque aumentaram os gastos com folha de pagamento e benefícios de funcionários. Se os coletivos trafegam há anos sem cobradores, por exemplo, numa demonstração de que passageiros sempre são os bodes expiatórios, por que agora seria diferente, diante da conivência da classe política?

O preço da passagem subiu também, segundo a administração municipal, por conta dos chamados insumos, palavrinha sempre resgatada quando os passageiros ficam com a conta. Insumos são os culpados eternos: sucateamento da frota e aumento dos combustíveis.

A tarifa é uma das mais caras do Brasil na proporção, enquanto o serviço é considerado um dos mais fracos do Estado de São Paulo, conforme pesquisas de opinião. Se a capital paulista adotasse a mesma relação preço-quilômetro rodado que Santos, a passagem em São Paulo sairia por R$ 8,50. Isso sem falar que o percurso em Santos é quase todo plano, o que gasta menos combustível e danifica menos os veículos.

Elevar a tarifa bem acima da inflação indica como a Prefeitura vem enxergando o transporte coletivo nos últimos 20 anos. Desde que a CSTC, um saco sem fundo, perdeu a primazia sobre o setor, Santos apenas trocou de monopólio. Hoje, estamos submetidos à vontade da Viação Piracicabana, que não enfrenta concorrência por mais alta que seja a pilha de erros cometidos.

No ano passado, por exemplo, um diretor da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) declarou, quando perguntado se pretendia tomar medidas para reduzir a superlotação dos ônibus em horário escolar, que os estudantes – se quisessem maior conforto – mudassem o horário de estudo. A culpa, claro, pertence exclusivamente à vítima. Por que não enriqueceu e comprou um automóvel, com todos os acessórios?

Por omissão, é possível acreditar que a política local reproduz os passos do restante das médias e grandes cidades, salvo exceções. A postura é privilegiar os carros, um dos termômetros do consumo e do crédito, mesmo que não exista planejamento de longo prazo para o trânsito, cada vez mais complicado em Santos. Quando se fala em planejar, aliás, a classe política mantém a desfaçatez de mencionar o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), a principal lenda urbana das obras públicas da Baixada Santista.

É insano testemunhar ônibus enormes em avenidas estranguladas como a Conselheiro Nébias, a única que corta a ilha de ponta a ponta. Oito carros novos por dia nas ruas, que expandem a terceira maior frota proporcional do país, não servem para alertar para um enforcamento viário em curso.

Os coletivos ditam o ritmo da via, e o trânsito se torna paquidérmico nos horários de rush. A administração municipal proibiu estacionamento em um dos lados da avenida, mas sequer cogita interferir na política de transporte coletivo.

Enquanto acharmos que o transporte coletivo representa assunto menor na pauta em ano de eleição, os ônibus permanecerão lotados, lentos e caros. E ignorados pelos homens de gravata em salas com ar-condicionado. Aí, restam duas saídas: comprar uma bicicleta e encarar a ciclovia, que não conecta a cidade em todas as artérias, ou financiar um carro e transferir o exercício diário de paciência, pois o praticamos como dependentes dos coletivos.

Em tempo: ontem, dezenas de manifestantes protestaram em frente à Prefeitura, na Praça Mauá, contra o aumento das passagens de ônibus. Descontando um ou outro turista pré-candidato a vereador, foi uma manifestação pacífica, de gente politizada e preocupada com questões coletivas. Só lamento que não foram milhares de pessoas. Talvez, desta forma, a Prefeitura conversasse com a empresa-monopólio, em vez de baixar a cabeça e dizer amém.

Comentários

@waasantista disse…
Espanta e preocupa essa apatia, esse anestesiamento da sociedade santista. Há 15 anos que a Piracicabana (Grupo Constantino) manda e desmanda na cidade - tirou cobrador, botou chiqueirinho, não cumpriu a obrigação de ampliar a frota de trólebus, aumenta a tarifa quando e o quanto quer - e Santos só assiste. Na época da CSTC ela enfrentava a concorrência da Viação Santos-São Vicente, que seccionou as tarifas criando, na prática, linhas municipais, e forte oposição na mídia (era pau diário ao menor atraso) e no governo federal (que cortou financiamento do BNDES para renovação da frota).
Anônimo disse…
A Piracicabana só entrou porque em novembro de 1993 um certo Ronan Maria Pinto, nome que hoje detem varias empresas no ABC paulista, amigo de prefeitos petistas, resolveu comprar a VSSVLL, tirando o Viação e colocando ''expresso''...
Em janeiro de 1994 compra a Executiva, de São Vicente, mudando o nome dela para ETU. E em junho, assume as linhas recem privatizadas pelo DR Capistrano... uma pena que essa parte da HISTÓRIA seja esquecida e encoberta, assim como as catracas eletronicas, testadas pela CSTC entre 1992 e 1995...
Mais fácil meter o pau nos inimigos e proteger os cumpanheiros de ideologia, não é mesmo ??