O sono dos japoneses


Depois de muito tempo, teria uma manhã de folga. Poderia dormir sem depender do despertador ou da janela aberta para indicar o início do dia. Mas havia, no meio do caminho, a estréia do Santos no Mundial Interclubes. A partida contra os japoneses – sei que não representam o país, mas a presunção nos leva a chamá-los assim – começaria ao cantar do galo. Oito e meia da manhã era quase madrugada para quem pretendia zerar o cheque especial do sono atrasado.

Resolvi dar voz ao corpo cansado e ignorar a partida do Santos. Mas, como jogador em final de carreira, que insiste em dar o comando ao cérebro em detrimento das pernas, acordei mais cedo, no piloto automático. Precisamente, às 8h23, sete minutos antes do jogo. O mínimo de lucidez indicava que virar para o lado e continuar o processo de recuperação da máquina gasta e surrada.

Com a decisão tomada, o controle durou poucos minutos. A explosão de fogos de artifício não entrava na conta do desagradável, até porque havia me acostumado com o som desde a noite anterior. O problema é que as janelas vizinhas abrigavam diversos locutores que gozavam ao atualizar o placar eletrônico. Acompanharia o jogo mesmo com a janela fechada, com áudio ao vivo mais informações básicas da partida.

— Dá-lhe, Santos! Neymar, Neymar, Neymar.

O dá-lhe não era coisa de velho. A expressão antiga renascia na boca de um jovem, que gastava o verbo com o primeiro gol do Santos. Era a voz que se destacava no coral, pouco perceptível para alguém bêbado ... de sono.

Com o Santos na frente, imaginei que o time reduziria o ritmo e poderia dormir um pouco mais. Quem sabe 1 a 0 encerrava a folia? Minutos depois, outro sobressalto com Borges. Vários gritos, fogos, batucada, tudo ao mesmo tempo. Parecia alarme de incêndio às três da manhã, dentro do quarto! Sabia que o placar aumentara, mas – desta vez - desconhecia o autor do gol. Indignado com a informação fragmentada, pensei:

— Quando acordar, leio na Internet e acompanho os programas esportivos do almoço na TV!

Daí para frente, o Santos realmente tirou o pé do acelerador e colaborou com meu descanso. O gol japonês calou a torcida da vizinhança. Só não imaginava que a pressão dos adversários deixasse a turma muda por mais de uma hora.

Ou será que o Santos me venceu pelo cansaço? Não escutei o gol de Danilo. A animação murchou? Duvido, os japoneses continuavam correndo. O exausto era eu. Soube do resultado final apenas hora do almoço. Acreditava em 2 a 0 pelo ouvido em recesso e pelos vizinhos bipolares.

O domingo implica em regime de exceção. Acordar cedo para assistir à partida mais importante do ano. Seja para quem ama, seja para quem seca. Um resultado é definitivo: a insônia vai prevalecer, ainda que tenha que fugir do exame anti-doping.

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