Senti compaixão pelo Santos. Fiquei paralisado diante da TV, sem pensar em ir à janela gritar em espanhol. Não fiz brincadeiras com amigos e parentes. Estava boquiaberto ao testemunhar um jogo que derrubava minhas esperanças de mudança. A derrota do Santos assassinou a última ilusão de ufanismo sobre o futebol brasileiro. Prevaleceu a frieza da racionalidade, traduzida na irritante e paciente troca de passes até o bote catalão.
O Santos é o melhor time do país, mas significa pouco diante da selva além das fronteiras nacionais. O jogo de hoje poderia servir como a exceção que não confirma, mas mascara a regra. Se houvesse equilíbrio, o auto-engano seria perpetuado.
O Santos nos iludiu com a promessa de que seria possível apagar todos os sinais de alerta, todos os recados que nos foram dados ao longo da temporada. Perder para o Barcelona era previsível, independentemente das opiniões amenas de comentaristas que servem à manutenção da audiência. Sofrer com a base da seleção espanhola era carta marcada, mesmo que a paixão selvagem tentasse encobrir defeitos evidentes desde o início do ano.
O Santos refletiu, de maneira cristalina, que classificar o futebol brasileiro como o melhor do mundo é agir de má fé, mentir sem pudor. Fingimos indignação e desqualificamos o ranking da Fifa quando o Brasil deixa de estar entre as cinco melhores seleções. Buscamos desculpas para justificar a saída contínua de atletas que enfraquecem os times “grandes”, endividados até a alma e cínicos quando repatriam ex-jogadores ou mão-de-obra de segundo escalão.
Aceitamos a conversa de que amanhã será diferente porque um jogador diferente talvez permaneça mais tempo por aqui. Minimizamos a lista de titulares e reservas que quebram contratos como crianças mimadas descartam um brinquedo novo.
As mensagens estavam disponíveis para todos. Na Copa Libertadores, nenhum time brasileiro fez campanha memorável. O Santos foi a exceção, embora tenha se classificado com a porta quase fechada. Os demais candidatos se arrastaram pelo caminho, recolhendo os próprios pedaços em vexames sucessivos. O Corinthians que o diga, vencedor do Campeonato Brasileiro, torneio tão festejado quanto equilibrado na pobreza!
A Copa Sul-Americana reforçou a fragilidade do futebol atual. Apenas o Vasco chegou às semifinais, quando foi derrotado pela Universidade do Chile, invicta há 35 partidas. O campeão havia atropelado também o Flamengo, sem sofrimento ou dúvida.
A seleção brasileira, que falseia uma renovação organizada, não incomodou na Copa América. Nos amistosos contra equipes européias de primeiro nível, apenas derrotas ou empates de rodapé. Para aliviar a culpa, levar ao palco o teatro com galinhas mortas, surrando times de importância restrita ou discutível.
Festejamos quando Neymar e Daniel Alves aparecem entre os 23 melhores jogadores da temporada. Cinco anos atrás, o Brasil apresentava dois atletas entre os cinco melhores. Hoje, parte dos titulares da camisa amarela gasta os quadris no banco de reservas nas grandes equipes da Europa.
A seleção deposita as esperanças de vitória na Copa do Mundo em casa nas costas de um garoto de 19 anos, como o trunfo que derrubará a banca por estas bandas. Enquanto isso, o técnico de fala mansa troca as demais peças do time como se o início de história estivesse congelado em replay. Quase 100 jogadores, muitos deles em destino ignorado após duas convocações e um contrato milionário do outro lado do oceano.
Ver o Santos tomar uma goleada do Barcelona não dá prazer algum. Mais do que fortalecer a consciência de que os espanhóis mandam na floresta e o leão tem rosto de argentino e cheiro catalão, é notar que o bosque por aqui pega fogo, enquanto as hienas pulam Carnaval com a crença presunçosa de que tudo se encaixará nos próximos três anos.
Em tempo: o Santos não precisava se curvar diante da melhor equipe da atualidade. Nas expressões de alguns jogadores, a ressurreição do Complexo de Vira-lata, de Nelson Rodrigues. Parecia uma fusão de admiração e medo que se refletia no excesso de fair play, nos pedidos efusivos de desculpas, inexistentes por aqui. Ser servil no futebol é dar o primeiro passo para a goleada do adversário.
O otimismo, ao menos, se agarra nas palavras de Neymar, que disse entender a noite em Yokohama como aprendizado, ao contrário de muitos, que caçam defeitos microscópicos em quem pode nos mostrar como reverter uma entressafra, aliada à previsão de falta de chuvas na próxima colheita.
Comentários
Um abraço e boa semana.
Rafaela
http://apenasumpontoesportivo.blogspot.com/
Não somos os melhores há anos!
A derrota pode ser um bom sinal para o Santos e para o futebol brasileiro.
Como santista, torço para que cabeças não rolem, mas sejam repensadas posturas e estratégias, com humildade e seriedade.
Maria Angélica
1) Em um comentário foi apontado o Muricy como um dos "menos responsáveis". Penso que é aliviar demais a barra dele. Ele é o líder, o comandante e o único com mais experiência de um momento como esse. Entrar declaradamente na retranca foi o grande erro do Santos! Primeiro por não acreditar que seria possível enfrentar o Barça e nitidamente se intimidar (Tanto o Santos quanto o próprio Muricy). Depois por não utilizar o que tinha de melhor O ATAQUE. O Ponto Forte do time não foi evidenciado. Armou um time para jogar no seu Ponto Fraco (Zaga). Aí vejo erro de estratégia de jogo! E entrego ao Muricy a parte (grande) dele no fracasso do grupo.
2) A crise que vivemos no Brasil é de valores! Acostumamos a ser medianos em tudo! E está bom assim! A hipervalorização de jogadores mundial, contaminou o Brasil e vemos a mediocridade transitando em diversos campos (política, mundo acadêmico, futebol, cultura). Em específico no futebol, como valorizar um campeonato tão fraco como o Brasileiro? Por que valorizar técnicos retranqueiros e medianos como heróis? O Tite (campeão brasileiro), o Mano e tantos outros... Retranqueiros que só sabem jogar com o regulamento na mão. Entram em campo para segurar um 0 X 0. São esses que brilham no Brasil. Isso é futebol??? Temos que criar vergonha na cara e sermos bons de verdade, sem ter que pagar salários milionários para isso. Penso assim: Pagar menos e exigir mais. Talvez é isso que precisemos para reconquistar o gosto pela bola que vem desaparecendo desde a COPA do Mundo de 1998.
Abração e mais uma vez parabéns pela reflexão!
VALE RESSALTAR QUE A NOSSA GRANDE DEFICIÊNCIA ESTÁ NA PARTE DEFENSIVA, POIS OS GRANDES “EXPERTS” DO NOSSO FUTEBOL, HORA OCUPANDO FUNÇÕES IMPORTANTES NA NOSSA BASE, PASSARAM UMA TRENA NA ENTRADA DOS CAMPOS DE FUTEBOL E ZAGUEIROS, PRINCIPALMENTE ELES, SE NÃO TIVEREM MAIS QUE 1,86M NÃO ENCONTRAM HOJE, ESPAÇO NOS CLUBES DE FUTEBOL, SEJA CLUBE GRANDE OU MÉDIO OU PEQUENO. A FILOSOFIA É ENCONTRAR ALGUÉM COM CARACTERÍSTICAS DE PORTEIRO DE BOATE E TRANSFORMA-LOS EM ZAGUEIROS, SÃO COLOCADOS NA ZAGA, NA PRETENSÃO DE DESTRUIR JOGADAS OU JOGADORES, SAIR JOGANDO COM A BOLA? TÁ LOUCO? ALI NÃO É LUGAR DE BRINCAR, DIZEM: TECNICOS, DIRIGENTES ,JOGADORES , TORCEDORES E IMPRENSSA TAMBÉM. VAMOS EM BUSCA DE DEFENSORES CRAQUES DE BOLA, POIS DO MEIO PRA FRENTE NINGUÉM TEM TANTOS CRAQUES, COMO NÓS TEMOS.
MAIS UM “DETALHE” MUITOS DOS QUE MILITAM NO FUTEBOL DE BASE, DIZEM: “AQUI NÃO FAZEMOS GATOS” (AS VEZES É ATÉ VERDADE, NÃO FAZEM), MAS DIZEM TAMBÉM: “SE VIER PRONTO....COMO VOU SABER?” E CINICAMENTE MATÊM EM SUAS EQUIPES, JOGADORES CLARAMENTE ACIMA DA IDADE QUE DIZEM POSSUIR. E O RESULTADO DISSO: GANHAM MUITAS COMPETIÇÕES, POIS NA FASE DE FORMAÇÃO 1,2 OU 3 ANOS A MAIS, FAZ MUITA DIFERENÇA. O PROBLEMA É QUE, QUANDO CHEGAM AO GRUPO DE PROFISSIONAIS, ESSA VANTAGEM SE DESFAZ E UM GRANDE CRAQUE NA BASE, MUITAS VEZES NO FUTEBOL PROFISSIONAL NÃO PASSA DE UM JOGADOR MEDÍOCRE.