Choque de gerações

O amistoso contra a Argentina, na última semana, ocorreu pelas razões erradas. Mais do que representar a conquista de um troféu sem relevância, a partida deveria servir para afunilar o processo de renovação da seleção brasileira e, principalmente, iniciar a definição do grupo de jogadores que disputarão as Olimpíadas, em 2012.

Ao convocar somente os atletas que atuam no país, o técnico Mano Menezes sucumbiu às pressões de variadas ordens – de empresários a clubes, da CBF à imprensa – e não conseguiu cumprir nenhuma das metas estabelecidas quando assumiu o cargo. Mano Menezes mal imprimiu uma trajetória de renovação, como também não compôs um time olímpico.

O calvário deve prosseguir contra a Costa Rica, o próximo amistoso. A vitória será óbvia e obrigatória. Mas o que poderá render para os próximos dois anos?

A culpa não deve ser creditada exclusivamente na conta do treinador. A seleção paga o preço da entressafra. O cenário atual indica, de fato, uma lacuna entre veteranos e revelações, o que provoca aposentadorias precoces e responsabilidades em excesso para quem mal saiu das fraldas.

O único setor que sobrevive, sem muitos ferimentos, à crise de identidade atual é a defesa. Ainda dependemos de Julio Cesar, mas na posição de goleiro renovar é um risco desnecessário. A experiência é pré-requisito para a função. O critério longevidade esconde, no entanto, a dificuldade em se localizar goleiros novos e de alta qualidade. Victor é uma exceção. Rafael, do Santos, uma promessa.

Entre os zagueiros, a situação se aproxima do ideal. Jogadores experientes, como Lúcio (aliás, ainda em plena forma e marcando gols), fazem parceira com atletas no auge da técnica e da força, como David Luiz e Thiago Silva. Todos defendem clubes de ponta e estão acostumados às pressões de jogos importantes. Entre os laterais, o lado direito tem dois soberanos (Maicon e Daniel Alves), enquanto na esquerda Marcelo precisa de uma sequência de partidas. Ele sofre a concorrência de Adriano, do Barcelona. Côrtes, do Botafogo, é tão desconhecido quanto festejado em excesso.

O time se torna normal quando o olhamos do meio-campo para frente. E é nestes setores que se pode notar o choque de gerações. Jogadores que deveriam ser titulares entraram em decadência muito antes do previsto. Adriano e Ronaldinho Gaúcho exemplificam o problema. Outros vivem entre contusões que, de certa maneira, abreviaram a carreira em alto nível. Kaká era o camisa 10 que, no momento, a seleção perdeu.

Esta turma não teve substitutos à altura. Não se pensou nesta hipótese. Parte do elenco da última Copa encerrou a história na seleção. Os herdeiros não tiveram oportunidades ou não possuem qualidade técnica para protagonizar a sequência da narrativa.

No meio-campo, Diego, do Atlético de Madri, não construiu uma carreira regular, nem na seleção, nem no futebol europeu. Teve bom início na Espanha e, com 26 anos, pode reaparecer nas listas de convocados. Ganso, do Santos, vive no estaleiro e, na seleção, não fez diferença alguma. Robinho é irregular e, na prática, não altera o estado de coisas.

Entre os atacantes, o técnico Mano Menezes girou a metralhadora. Não temos um centroavante desde Ronaldo. O treinador testa jogadores de clube, como Borges, revelações ainda cruas, como Lucas, e atacantes que nunca resolveram o problema, como Pato e Fred. De fato, o ataque não provoca tremedeiras em zagueiros das grandes seleções. Tanto que o Brasil mal marcou gols nos amistosos que realmente importam.

Formar uma seleção-base para os próximos três anos implica em regularidade nas convocações, nas escalações e na definição da forma de jogar, inclusive com variações. Ser simpático e eloqüente não basta. Agrada aos jornalistas-babões, mas eles serão os primeiros a mudar de lado, principalmente porque não enxergam além do jogo-a-jogo.

Mais do que testar, Mano Menezes transmite a impressão de que resolveu ignorar a si mesmo. Ignorou o discurso de boas-vindas. Jogadores entram na lista, participam de um jogo ou dois, ganham contratos no exterior e desaparecem das primeiras páginas. O treinador montou duas equipes para atender aos confrontos que enchem os cofres, mas não dão consistência ao time.

O Brasil só tem mais duas competições até a Copa do Mundo. Uma delas, os Jogos Olímpicos, soluciona parte do problema, o da molecada que precisa de estrada. A equação é mesclar duas gerações, que normalmente provoca a construção de uma equipe. Driblar a entressafra ou ressuscitar velhos personagens são os muros à frente. Mano Menezes poderá escalá-los?

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