O estelionato dos saltimbancos


Dois gols e uma vitória para a explosão de clichês. Do resgate do futebol brasileiro ao desempenho que convenceu a torcida. Nada mais melancólico do que esconder a esterilidade com euforia. A vitória do Brasil contra a Argentina, em Belém, é o laço de fita vermelha que embala um crime. Que mascara a feiúra de quem anda remendado por curativos.

O jogo, com a conivência tradicional dos ufanistas de microfone, é uma sucessão de fraudes que compõe um golpe contra torcedores e até jogadores, crentes que podem disputar as próximas competições oficiais. Entre elas, a Copa do Mundo de 2014.

A partida, na prática, não valeu nada. Ali, não estavam as seleções principais. Sem ilusões, as duas equipes eram um apanhado de atletas, a maioria de segunda linha, reunidos para aqueles treinos de reconhecimento do gramado, que enganam os que gostam. Atuam em países com campeonatos de nível inferior. As exceções, como Lucas, Neymar e até Ronaldinho Gaúcho, não criaram novas expectativas. O jogo não mudará o que se pensa ou o que se espera deles.

A conquista de um título é cinismo para amenizar o caráter caça-níqueis da disputa. O maior sintoma disso foi a confraternização dos jogadores brasileiros no centro do campo depois do jogo. Confraternização, não comemoração.

Os argentinos, recheados de atletas que jogam por aqui e nunca são convocados, foram cavalheiros e não apelaram para catimba ou violência. Parecia um amistoso daqueles que encerra a carreira de alguém. Time do fulano contra os amigos de beltrano.

A vitória contra o vizinho não serve para dar sequência à proposta (parece mais promessa) de renovação da equipe brasileira. Também não atende às necessidades imediatas de compor um time-base. E não auxilia na definição do elenco que disputará as Olimpíadas de Londres, em 2012. A sensatez indica que 90% da seleção está na Europa, em grandes clubes. Ou até de porte médio. Dois ou três atletas que defendem times brasileiros podem brigar pela titularidade. Mais uns três para completar o banco de reservas.

Jogos assim deveriam ofender a inteligência de atletas que estão no país. A maioria dos que entraram em campo contra a Argentina não tem chances, em condições normais, de defender a seleção brasileira. Não chegarão à Copa das Confederações, por exemplo. As razões vão da técnica à idade avançada.

O técnico Mano Menezes, elogiado porque atende pedidos esquizofrênicos de parte da imprensa ou porque é simplesmente simpático, ganhou sobrevida por ter vencido a Argentina. Ainda que seja um rascunho do maior rival. Mesmo ignorando os maus resultados, que parece saudável, sofreremos de amnésia diante da ausência de regularidade tática e de coerência nas convocações?

Fora de campo, o pecado está na organização, ponto no qual prevalece a coerência. Para atender a interesses políticos, o amistoso aconteceu em um estádio que não abriga clubes da primeira divisão há tempos. O gramado se aproximava da várzea. Em algumas partes, lembrava solo lunar. Uma partida entre duas seleções, mesmo com elencos B, não merece um tapete rasgado e puído. Mais um ponto para os europeus, que tanto criticamos por despeito.

A seleção brasileira foi banalizada. Transformou-se em um grupo de saltimbancos, que troca de roupa e de atores pela instabilidade da profissão, mas se sustenta pelo show previsível, apresentado em qualquer espaço por uns trocados. E ainda acreditamos que enfrentar Costa Rica, o próximo adversário, mudará o estado de coisas.

Depois, os cínicos fazem cara de espanto quando o Brasil enfrenta Gana em um estádio para 25 mil pessoas, na Inglaterra. Foi-se o dia em que a seleção era a atração principal em carpetes por aqui ou do outro lado do oceano.
 

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