O consultório

Resolvi tomar vergonha na cara e fazer um check-up. O primeiro sintoma é perceber que o caminho da saúde exige paciência. Para verificar as condições reais da máquina gasta, fugi de percepções pessoais que se baseavam em exercícios de auto-engano. E ouvir quem tem algo consistente e especializado a me dizer.

Para alcançar as palavras de sabedoria (ou de alerta), é necessário esperar. Horas para pegar autorização do plano de saúde. Horas para que o auditor – uma entidade invisível até para médiuns - decida se eu posso fazer o exame que ele julga extra. Horas para ter o sangue transferido para vários tubinhos, por uma moça de branco que acredita estar diante de um homem apavorado. Não adianta deixar claro que agulhas são parte da rotina. A premissa é que, se você não desmaiou, ainda vai desmaiar.

A peregrinação pelo universo dos uniformes brancos termina na sala de espera do consultório. Aguardar para levar uma bronca previsível, por causa do comportamento que desconfio ser desviante por natureza.

A sala de espera não é exatamente um local animado. Doentes ou em consulta de rotina, todos exalam tédio. A secretária é o abrigo de todas as reclamações, comentários sobre o tempo, o futebol do final de semana, os políticos como seres desprezíveis, a doença do Gianechini.

A doença? Todas as conversas desembocam em enfermidades. O primeiro passo é justificar a presença na ante-sala.

— Minhas dores na perna não me deixaram dormir no final de semana.

— O tempo mudou! A bronquite atacou de novo!

— Não sei exatamente o que tenho. Se não tenho algum problema, vou ter. Por isso, vim aqui.

A etapa seguinte é a troca de experiências. Na verdade, uma corrida para definir quem sofreu mais. Inicialmente coletiva, a conversa reduz o tom e se divide em diversos diálogos. Pequenos duelos em que vence o dono da maior lista de enfermidades.

A exceção fica por conta da estada em UTIs e outras experiências como cânceres, derrames e enfartos. Enumerar tais casos quase garante a vitória por nocaute do adversário. Mas existem os golpes baixos. Apela-se para as internações de parentes e amigos. É o gatilho para tirar o foco da derrota e se manter vivo no ranking dos doentes.

Quando se esgota a etapa das moléstias, os pacientes viram os holofotes para o médico. De herói à abnegado ou até desorganizado, o médico tem sua vida escarafunchada como se fosse uma celebridade aos olhos e bocas dos fofoqueiros da TV.

É o momento em que a secretária volta ao enredo no papel de advogada. Cabe a ela explicar o que será visto com desconfiança. Como o médico se atrasou? Como ele tem vida própria e vai viajar no feriadão? Ou, oficialmente, estará em Congresso?

A conversa sem futuro ultrapassa os limites quando se rompe a regra de ouro: um paciente é chamado na frente dos outros. A fila informal, repassada por neurose a cada 10 minutos, se reconstrói na união de olhares que deixariam o felizardo em coma. Enquanto é atendido, o paciente é o novo e último assunto. A condição de saúde alheia passa por mais especulações do que pregão da Bolsa de Valores.


Ao sair, o remédio é o silêncio ou boa tarde em voz baixa, para atravessar ileso o corredor polonês. Assim, me libertei temporariamente para enfrentar outro catálogo de doenças: a farmácia.

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