As ilusões regionais

Os campeonatos regionais se tornaram obsoletos de vez. Estes torneios, vivos somente por tradição e política, tinham como maior objetivo preparar os times grandes para as competições mais importantes do ano. Servem hoje como uma neblina, que mascara as deficiências destas equipes.

O principal sintoma da fragilidade dos 12 clubes de maior peso são as sucessivas eliminações em torneios dentro e fora do Brasil, para adversários de porte médio ou de países de força menor no continente. Nesta lógica invertida, figurantes e coadjuvantes derrubam os protagonistas antes da metade do filme e reescrevem roteiros que perdem a previsibilidade do valor comercial.


Ganhar de clubes pequenos do interior continua a assegurar a obviedade dos gigantes nas finais dos estaduais. Só que a obrigação hoje virou façanha. O desequilíbrio da ordem natural transparece, por exemplo, na escassez de goleadas nestas competições. São, muitas vezes, vitórias magras, inclusive dentro de casa.

Os casos, quando se sucedem, indicam um padrão e, principalmente, alertam para um problema que se instala e tende a se aprofundar. O Atlético-MG foi eliminado pelo Grêmio Prudente, clube rebaixado no Campeonato Paulista. O rival Cruzeiro caiu, dentro de Minas, para o colombiano Once Caldas, que dá trabalho ao Santos na fase seguinte da Copa Libertadores. Um campeonato de Libertadores não significa passaporte para o panteão dos tradicionais.

O principal torneio das Américas, por sinal, serve como parâmetro para as dificuldades que os times grandes brasileiros colhem. A temporada começou com o Corinthians, despachado pelo Tolima, pequena equipe da Colômbia.

Os demais clubes, com exceção do Cruzeiro, sangraram para se classificar. Fluminense e Santos passaram na última rodada depois de recuperação. O Santos, hoje o melhor time do país, teve que vencer três partidas seguidas, duas por placar apertado. Vencer por pouco é prática recorrente também no torneio estadual, diferente da rotina de goleadas do ano passado. 


Na etapa seguinte, quatro eliminações, todas para adversários de história recente. A exceção foi o próprio Santos, adaptado à política Muricy Ramalho, que economiza nos gols, mas equilibra as finanças com uma defesa sólida, a mesma turma classificada dois meses antes como instável.

Na Copa do Brasil, sobrou o Vasco da Gama entre os quatro melhores, mesmo time que fez uma Taça Guanabara digna de rodapé na biografia. O Palmeiras saiu com honras após se tornar sparring no treino do Coritiba, no Paraná. Flamengo e São Paulo apanharam de equipes médias, coadjuvantes de primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

Esta seqüência de fatos aponta para uma necessidade de reformulação dos torneios estaduais, que escondem a falta de planejamento administrativo dos próprios clubes. Os cartolas se aproveitam dos adversários de menor expressão para queimar revelações, anunciar a aquisição de jogadores em baixa na carreira (ou no final dela) e vender atletas razoáveis para mercados de segunda linha. Times são montados e demolidos duas, três vezes ao ano.

O argumento de que os estaduais funcionam como preparação para outros cenários também não se sustenta mais. O que se testemunha são o excesso de partidas, a maioria irrelevantes, que levam os melhores times (e os melhores atletas) à fadiga muscular, quando não acontecem contusões em efeito dominó. 


O Santos, por exemplo, encara duas decisões por semana sem elenco para tal maratona. A recompensa pelo desempenho se transformou em sofrimento. O clube se supera a cada três dias, quando o tempo para treino é substituído por horas nas salas de embarque e desembarque de aeroportos.

Não houve equipe B para jogar o estadual. É preciso exigir performance no limite, em frequência robótica, de jovens ainda em desenvolvimento e de veteranos em fase de preservação.

Não defendo a morte dos campeonatos estaduais, que devem permanecer para a salvação de clubes menores, escravos – em boa parte dos casos – deste tipo de torneio. É a sobrevida para o restante do ano.
           
Mas a fórmula implora por reparos, por essência na duração. Quatro meses são uma eternidade para as equipes de ponta, clientes cativos das decisões. Por que os grandes, pelo histórico, não entram posteriormente, em momentos decisivos? Renda em estádio é negócio secundário, no sistema no qual a TV dá as cartas.

Por que as federações não reduzem o número de partidas e, em acordo com a CBF, encaixam os times da primeira divisão dos Estados em divisões menores do Campeonato Brasileiro?

O torneio nacional começa na próxima semana. Será equilibrado como sempre, com pelo menos 10 clubes na disputa pelo título. A ingenuidade levará muitos à crença de que ainda temos o melhor futebol do planeta porque a competição por aqui é diferente das principais da Europa, nas mãos de dois ou três times de cada país.

A cortina de fumaça distorce a visão e a fé. O Campeonato Brasileiro será competitivo, mas, pelo que se viu em quatro meses, repetirá o baixo nível dos últimos anos, com as exceções individuais de sempre. 

Comentários

Lucas Brasil disse…
Ótimo texto, destaca bem a deficiência dos estaduais no Brasil...essa reformulação é necessaria para a melhora do nivel tecnico e o resurgimento dos grandes times