A preliminar

O texto abaixo é uma pequena alegoria em homenagem ao Dia do Goleiro, comemorado hoje.
O estádio estava quase vazio. Quarta-feira à noite. O Santos enfrentaria a Internacional, de Limeira, pelo Campeonato Paulista. O jogo, na Vila Belmiro, era pouco atraente, até para os mais fanáticos. O Santos vivia uma fase de vacas magras, com raras finais e muitas decepções.
Na preliminar, o Santos faria um amistoso contra a Portuguesa Santista, pela categoria juvenil, atual sub-17. Para os jogadores do Santos, uma armadilha. Se perdessem, ouviriam vaias da torcida, que estava ali para ver o time vencer sempre, não importa a idade. Se ganhassem, não teriam feito mais do que a obrigação.
Na Portuguesa Santista, o técnico Zé Luiz, o Galo, havia injetado nos garotos o clima de final de campeonato. Para eles, talvez fosse a única vez que jogariam na Vila Belmiro, mesmo que fosse uma preliminar do Paulistão.
O que se viu foi uma partida equilibrada, feia de se ver. Os moleques da Briosa, na época uma equipe de 2º Divisão, comiam a grama, molhada por causa da chuva que aumentava os espaços vazios nas arquibancadas. Jogavam a partida mais importante do ano, depois de vencerem o torneio regional da categoria.
Do lado do Santos, muitos jogadores sentiram o peso daquele amistoso. Eles não estavam acostumados com a Vila Belmiro. Treinavam por lá de vez em quando. E a torcida os tratava como se fossem profissionais. Cobranças e xingamentos a cada passe errado. Pedidos de substituição do número 2, do número 5, atletas desconhecidos até pelos corneteiros das arquibancadas.
O placar se arrastava em zero a zero. Poucas chances do Santos, todas elas defendidas sem maiores problemas pelo goleiro da Portuguesa. Na verdade, parecia treino de ataque contra defesa, partida de meio campo. A dupla de zagueiros da Portuguesa, Marcos e Paulo, irmãos gêmeos, espantava a bola para todos os lados, sem vergonha de serem chamados de beques de fazenda.
No final do primeiro tempo, escanteio para o Santos. A zaga da Briosa se atrapalhou para cortar a bola, que insistiu em permanecer na grande área. Na confusão, um dos atacantes do Santos, de nome Marcelo, empurrou para o gol. Santos 1 a 0. Final do primeiro tempo.
O segundo tempo seguiu sem alterações significativas. A Briosa se manteve fechada. O Santos, contente com o resultado. As arquibancadas, um pouco mais cheias. A chuva parou.
O goleiro da Portuguesa se assustou apenas com o grito da torcida, o famoso Uhhhhhh!, quando uma bola passou à direita. O barulho foi mais perigoso do que o chute em si.
No final, cinco mil pessoas acompanham aquele jogo entre moleques, enquanto esperavam pelo jogo principal. Daquele time da Portuguesa, ninguém se tornou jogador profissional. Do Santos, dois ou três conseguiram se profissionalizar e atuar em times do interior.
O goleiro da Briosa, dois anos depois, mudou de lado até se contundir e perceber que era mais feliz em Ulrico Mursa do que na Vila Belmiro. Do outro lado do canal, não havia estrutura, mas prevalecia o jogo no sentido mais poético e idealista do termo. Sem empresários, sem resultados, sem competições internas.
Mas a verdadeira mudança se deu quando o goleiro, em momento de lucidez, notou que, como jogador de futebol, poderia ser um bom jornalista.
Naquele noite, na Vila Belmiro, o Santos venceu a Inter, de Limeira, por 3 a 2. Por ter jogado a preliminar, pude ver o jogo de graça. Lembro-me de dois aspectos: dois gols foram feitos pelo zagueiro Camilo e o Santos jogava com um ponta esquerda chamado Edson Ampola, que havia atuado pelo Naviraiense, aquele mesmo time que perdeu para a turma de Neymar e Ganso por 10 a 1.
Para o então goleiro da Briosa, a preliminar foi e sempre será o espetáculo principal daquela quarta-feira chuvosa.

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