O anti-Corinthians


O Corinthians abriu o armário para esconder mais um esqueleto. O fantasma vai passar por sessões de exorcismo, no mínimo, até domingo, quando o time poderá trancar a porta e mantê-lo no escuro se vencer o Palmeiras, líder do Campeonato Paulista. A memória curta é a tábua de salvação dos condenados, ávidos pelo perdão.

Todos os clubes possuem os próprios demônios que, eventualmente, reaparecem para cutucar as feridas. O demônio do Corinthians é a Libertadores da América. Mas a eliminação do time paulista não pode ser creditada na conta do demônio que costuma apavorar jogadores e dirigentes a cada (des)classificação para o torneio continental.


Desta vez, o espírito maligno apenas jogou a última pá de terra sobre o túmulo. O corpo já estava moribundo. Cheirava mal e dava sinais de que seguiria doente. O próprio clube abriu caminhos para a ressurreição de velhos traumas e realimentou os esqueletos que pareciam adormecidos. Talvez entendessem que os estragos seriam escoriações, sem maiores conseqüências.

Perder a Libertadores não pode ser vista como um erro comum, passível de um simples pedido de desculpas com sorriso amarelo. Envolve outros sentimentos, muitos deles distantes da nobreza humana.

O time indicava que a avaliação era distorcida, incompleta e frágil. A soberba se instalou há mais de uma semana e cegou quem já mancava.

O Corinthians é um time comum desde 2010. E irregular além da média desde outubro. O time não mantém uma sequência de partidas convincentes. Deixou de ser confiável. O favoritismo tornou-se questionável, inclusive diante de equipes pequenas, que roubam pontos dentro do Pacaembu, estádio onde a aposta era acertar o número de gols, por causa da vitória certa.

O Corinthians olha no espelho e não se reconhece. Os princípios e os comportamentos que diferenciam o clube foram adormecidos. Resta descobrir se esta letargia é voluntária ou induzida.

O primeiro sintoma visível é a dormência em campo. O frenesi sumiu. Aqueles olhos agressivos – de quem mata a fome na refeição – se apagaram. Onde está o sangue que corre nas veias do Pacaembu, que ecoa nas arquibancadas e transforma jogadores medianos em foras de série? A equipe se comporta como se o resultado final tivesse importância secundária, como se todo jogo fosse parte de uma pré-temporada estendida.

O Tolima – a qualidade dos colombianos é irrelevante – representa papel secundário em um processo que se arrasta há meses. A hemorragia não foi estancada. Foi encoberta com curativos de segunda mão. Culpou-se o médico – o então técnico Adilson Batista – e a sangria permaneceu. O Campeonato Brasileiro foi um presente de Natal aos adversários. No Paulistão, a equipe segue em posição intermediária.

O conjunto da obra aponta para um segundo sintoma anti-corintiano. O time me passa a impressão de que acredita na premissa dos arrogantes. O Corinthians atua como se pudesse vencer no momento que quiser. Equipes assim se afogam na própria pretensão. E de formas humilhantes. Perdem no momento mais indesejado para o adversário mais improvável.

O Corinthians exala o cheiro perfumado de quem veste terno novo, mas caminha com sapatos furados. O Corinthians provou em sua história que não vence quando deseja. Luta para ganhar quando precisa.

O Corinthians jamais demonstra a intenção de dar espetáculos. É de sua natureza se surpreender – e chocar aos outros – com bailes de gala. É sua essência servir como caixa de ressonância da vida popular, como extensão do dia-a-dia de quem pagou para assisti-lo.

Equipes de ponta costumam aprender com as derrotas na marra. A pressão externa altera a paisagem à força. Talvez seja esta a única vantagem para a crise de identidade atual. É a hora de engolir o discurso de palavras difíceis e as táticas tão mirabolantes quanto ineficazes.


Para expulsar os demônios, a estrada é tortuosa. De cara, simplificar a rotina da casa, cortar as gorduras – inclusive as publicamente conhecidas –, rejuvenescer certos setores e reconstruir o olhar sobre si mesmo.

É preciso abandonar a pompa porque as circunstâncias são outras. Não servem roupas e sapatos chiques. O Corinthians nasceu predestinado ao terrão, ainda que simbolicamente. Quando incorpora o espírito operário e ignora as brincadeiras alheias, vence. Não há sorrisos e afagos antes ou durante as partidas.

O Corinthians de ontem vibra para assegurar o dia seguinte. O Corinthians de ontem é representado por jogadores que não precisam beijar a camisa para fingir amor de ocasião. O Corinthians de ontem mistura arquibancada e gramado, como simbiose.

O jeito corintiano de viver, no qual dor e sofrimento se transformam em gols e troféus, precisa matar a versão atual. Pelo bem do futuro, ou seja, o restante da temporada.

Comentários

Bruno M. Z. disse…
A verdadeira culpa são dos torcedores que exaltam um deus chamado Andrés Sanches que afundo o time a cada dia. Que outrora fez parte da equipe que afundou o timão na série B. Equipe esta que fez pacto com o inimigo e ao ver a corda balançar pulou fora.

O texto é de um torcedor apaixonado, é nítido, não deixa de ser maravilhoso e extremamente coerente. Mas peca ao achar que o time é de fato, o maior do mundo. Não há time maior do mundo, há momento. No momento, Andrés Sanches apequenou o Time do Corinthians.
Bruno, agradeço pela leitura e pelo comentário. Mas discordo em um aspecto. É claro que o texto tem a marca de um torcedor, mas em momento algum me referi ao Corinthians como maior do mundo. Até porque não encaro o clube desta forma. Longe disso! E, acima de tudo, seria incoerente com a natureza crítica do texto. Abraço!