Os tucanos e a selva

Texto publicado no jornal Boqueirão (Santos/SP), na seção Campo Neutro, edição n. 819, em 11 de dezembro de 2010.

Os tucanos adotaram um comportamento adestrado. Pareciam acostumados com a vida em cativeiro, onde se alimentavam, se reproduziam, mantinham-se aquecidos. A vida era demasiado confortável e, ao mesmo tempo, alheia à possibilidade de encarar os perigos do mundo lá fora.

Com três derrotas consecutivas, o PSDB se vê obrigado a abandonar este estilo de vida e encarar as particularidades da selva, se quiser se sustentar como uma oposição efetiva. Não é mais possível dar a alguns espécimes de plumagem mais colorida o poder de praguejar contra um grupo que se manterá no poder por mais quatro anos.

Os tucanos que gritavam mais alto o faziam de trás das grades do cativeiro, pose cômoda e incapaz de incomodar o sapo, como assim chamam seu principal inimigo na floresta. O sapo permanece no comando do brejo e ampliou seus domínios “como nunca antes visto neste país”, para parafrasear o próprio anfíbio.

Com a surra, chegou a hora de se reinventar. Trocar lideranças – que nesta hora não assumem as responsabilidades correspondentes – e refazer o caminho para se construir como opositores. Aliás, aprender com o próprio PT, eficiente neste sentido a ponto de se transformar em situação.

Os macacos fofoqueiros falam em fusão com os Democratas, aves mais antigas e versáteis às oscilações do clima e ao desmatamento de certas áreas. Outros pontos da floresta também indicam que o PPS – uma ave pequena e de opinião volúvel, porém barulhenta - se juntaria ao grupo. Na teoria, o trio abriria uma clareira para incomodar o reino dos anfíbios.

Se fosse otimista, diria que os tucanos desceram do galho, ainda que o voo seja tímido. Saíram da inércia e quebraram a primeira etapa do luto: a negação. Se fosse pessimista, diria que os tucanos só mudarão de perspectiva na árvore se as aves mais velhas perderem as penas.

A reação precisa ser imediata, com data marcada: as eleições municipais de 2012. Se pensarmos nisso, veremos a fragilidade dos tucanos na Baixada Santista. O domínio se restringe à Praia Grande. O restante soa como gritos isolados, que não alteram o estado de coisas.

Os tucanos do litoral têm dois representantes na Assembléia Legislativa. Mas a votação deles depende de outras regiões, onde ambos foram espertos e construíram bases eleitorais. Se dependessem da vegetação litorânea, talvez estivessem extintos.

Na maior cidade da Baixada, os tucanos vivem à sombra da coruja, liderança sempre discreta e ponderada, que está à frente do Paço Municipal há seis anos. Entraram no bolo de 19 partidos e não apresentam candidato à Prefeitura desde que Raul Christiano alcançou o terceiro lugar no começo da década.

Os tucanos caiçaras alegam amadurecimento como resultado da briga, anos atrás, entre veteranos e filhotes. Os mais novos ocupam hoje as copas das árvores. Terão fôlego para propor (ou impor) candidatura própria?

Ao contrário da política no Cerrado, em Brasília, os tucanos que residem à beira da Serra do Mar seguem de braços dados com o poder. Vale o preço de ocupar um papel secundário e servir de escada para o PMDB?

Não sou eleitor do PSDB, mas entendo que o partido é fundamental. No âmbito federal, tem a missão de colocar os sapos em alerta. Um animal pressionado, com instintos aguçados, se mexe para não morrer, como predador e como presa. E precisa de adversários à altura (não apenas tucanos) para preservar o ecossistema político.

Por aqui, os tucanos poderiam sair da paralisia – assim como outras espécies partidárias – e incomodar o grupo que ocupa o poder municipal há 14 anos. Mas existe sempre, em política, o caminho mais fácil, o do cativeiro. O problema é que a selva engole sem dó os coadjuvantes silenciosos.

Comentários

Daniel disse…
Reinventarem a maneira de governar tbm seria interessante.
Anônimo disse…
Análise perfeita. Adorei a leveza com que tratou o assunto. Algo raro de se ver. Ler você é sempre um prazer.

Beijos