Os homofóbicos saíram do armário


A Igreja Comunidade Cristã Nova Esperança fica no bairro Nova América, em Fortaleza. Evangélica, a instituição não tem placas na porta ou outras formas de identificação. A Igreja funciona há três anos e possui cerca de 60 membros, a maioria homossexuais.

Desde agosto, a Igreja virou alvo de ataques: urina na porta e pedradas, por exemplo. Perseguir pelas pedras não poderia ser mais simbólico e irônico: é repetir a punição típica do período em que o representante máximo da cristandade viveu, há pouco mais de dois mil anos.

Agora, os “corajosos” do anonimato partiram para as pichações: “Morte aos gays e sapatão” (com erro de português mesmo!), “Igreja gay filosofia do diabo” e “Homofobia não é crime”. Qual será o próximo passo? Repetir seus colegas machões da avenida Paulista?

Para assegurar seus esqueletos inertes e trancafiados, os homofóbicos, definitivamente, saíram do armário. Alguns ainda escondem o rosto e o nome, mas é uma reação previsível diante dos avanços na legislação para os homossexuais.
Muitos até se misturam à turma do politicamente correto, balançam a cabeça em sinal positivo para o problema, mas se entregam nas piadas ou quando o assunto ganha ares de relações familiares ou pessoais.

A violência contra gays existe desde o período colonial. É da natureza histórica, está tatuada na formação cultural da sociedade brasileira. Nos últimos 45 dias, o tema parece que se transformou em sub-editoria nos jornais, pela sucessão de episódios. Escola em Campinas vítima de vandalismo. Ataques nas ruas, em cidades diferentes.

A desvantagem para os machões é que passamos a viver no Big Brother, que os coloca sob a mira de uma lente 24 horas por dia. Os machões que se sentiam livres para agredir e matar estão expostos no telejornal da hora das refeições. Os heróis da testosterona, agora, precisam responder criminalmente pela covardia de seus atos. Pela manifestação de tirania e de desumanidade.

Os casos sucessivos apresentam algumas semelhanças. Os agressores, em primeiro lugar, se escondem sob o manto do grupo. Ali, se protegem e se fortalecem. Ali, podem dizer o que realmente pensam. Ali, podem evitar a reação da vítima e mantê-la sob condição de humilhação, inerente ao ato de violência. Ali, ejaculam de prazer no auto-exercício da dominação.

Os agressores são, no fundo, covardes. Não assumem suas posições, pois fogem do contraditório. Agridem e defendem a eliminação do outro por ser supostamente diferente deles. Projetam nos gays suas frustrações e fracassos, independentemente do tema, não exclusivamente sexual.

Quando apanhados, buscam amenizar a gravidade de seus atos. Não se veem como selvagens. Veem-se como pregadores de uma moral – com respaldo religioso até -, distorcida e adequada aos princípios próprios dos agressores.

Quem agride se posiciona como vítima. O outro o agride por sua presença, por sua existência. Os homofóbicos entendem que seus alvos devem se manter em guetos, em campos de concentração onde suas opções não machucariam seus olhos. Quem sabe, para muitos, não seria o remédio que afasta tentações?

A exposição pública e a conquista de espaço seriam uma afronta, um avanço ofensivo sem permissão, transgressor ao ponto de exigir um ato imediato, uma resposta violenta.

No caso da avenida Paulista, um dos cinco agressores é maior de idade. Tem 19 anos e foi indiciado judicialmente. A mãe de um dos outros adolescentes chegou a dizer que seu filho adolescente cometera um ato infantil, como se fosse incapaz de avaliar a gravidade das porradas distribuídas gratuitamente.

A mesma mãe afirmou que o caso ganhava ares de exagero por parte da imprensa. Que medidas seriam tomadas em casa, de maneira adequada, como assunto de família.
Nesta perspectiva, crianças que cometeram erros são punidas pelos pais. Nesta lógica, a infantilização do agressor se encaixa como um porrete para as circunstâncias. Manter os desvios de conduta na vida privada é uma estratégia coerente com quem esconde suas posições perversas entre quatro paredes, enquanto sorri em público. E também seria coerente, na visão deles, com a homossexualidade, que mereceria cadeados e trancas para permanecer dentro de casa.

Para esta sociedade que prega a diversidade e a pratica em forma de intolerância, confundir público e privado e misturar violência com coisa de criança solidificam o cinismo de quem confirma que legislação e mentalidade são irmãos que não se entendem, que mal se conhecem.

Ilustração: Kitty Yoshioka

Comentários

Vagner Lima disse…
Homofóbicos, antes de mais nada, têm inveja da liberdade dos homossexuais. 'Projetar suas frustrações' como voce diz no texto define perfeitamente.
Já passou da hora de criarmos uma legislação que puna criminalmente esse tipo de discriminação.
É triste, mas ainda temos que criar 'castas' e fazer as pessoas sentirem na pele [lei que criminaliza a discriminação contra negros, por exemplo], para lembrarmos que somos todos iguais.
Vagner, muito obrigado pela leitura e pelo comentário. A legislação existe. O problema é aplicá-la, porque o preconceito também transparece em quem deveria fazer valer a lei. Grande abraço.
Vagner Lima disse…
Casos de homofobia não podem ser enquadrados como agressão, por exemplo. Tem que ter uma legislação específica. Já houveram grandes avanços, mas os projetos de lei que realmente criminalizam a homofobia são sempre barrados pelas bancadas religiosas. Talvez, quando nosso estado for realmente laico, não veremos mais 'seres humanos' agredindo sem motivo seus semelhantes com lâmpadas fluorescentes nas ruas.
Anônimo disse…
Meu, se cada um cuidasse de sua própria vida, buscasse educação para o seu filho e tentasse entender como funciona o mundo em que vive, isso não aconteceria. Gays sempre viveram no mundo dos héteros, mas estes não sabem sobreviver no mundo dos gays.
Bort disse…
Esse assunto tá caminhando pra entrar no rol do "politicamente correto". Ninguém fala, ninguém discute, tá tudo uma maravilha. Posição essa que, no fim das contas, só fomenta mais violências desse tipo.

Parabéns pelo texto. É exatamente discussões e reflexões desse tipo que o assunto precisa.
Beth Soares disse…
Esconder posições perversas entre quatro paredes, infelizmente, é mais comum do que imaginamos. Poucas pessoas conseguem assumir seus recalques e frustrações. Preferem dissimular ou fingir que não são aspectos de caráter a se considerar como nocivos. Mas podem ser. E o pior é que assuntos como tolerância e respeito às diferenças sempre aparecem no discurso da "turma do bem", que os banalizam, com a desculpa de defender uma bandeira que, na maioria das vezes, só serve para inflar os egos de quem a hasteia. Aliás, vi muita relação entre os dois textos (este e o da "Turma do Bem", um dos meus preferidos até hoje). Ambos falam de hipocrisia, cinismo e desumanidade. Você sempre se supera, parabéns!
Beth e Bort (que não formam uma dupla), antes de mais nada, agradeço pelos comentários pertinentes. O preconceito se alimenta da invisibilidade e do silêncio. Temas como este são de ordem pública e o mínimo a fazer é debatê-los à altura.