O time que não quis vencer

O comentarista Casagrande, quando ainda era jogador, relembrou durante uma entrevista o período em que jogava no Ascoli, pequeno time italiano. As palavras não são exatamente essas, mas indicam com clareza o discurso de um dos símbolos do Corinthians.

- O desejo da torcida era garantir a permanência na Série A. Contra os grandes, como o Milan, entrávamos em campo perdendo de 1 a 0. O sonho era empatar. O Ascoli tinha que vencer os pequenos, concorrentes diretos contra o rebaixamento.

Vou me esquivar de comentar diretamente o empate do Corinthians contra o Goiás, ontem, em Goiânia. Olhar apenas esta partida permitiria interpretar, pelo avesso, a declaração de Casagrande. É claro que o Corinthians tinha que vencer. Pela disputa do campeonato e pela diferença enorme entre as equipes.



A questão é que, faturar ou não um título, não depende somente de um jogo. O campeão nasce do conjunto da obra. E aí está o que separa o Fluminense do Corinthians.

O sistema de pontos corridos, melhor modelo que temos hoje, premia o time mais regular. Valoriza quem erra menos. Adota como filho os que se planejam. Despreza e rebaixa os times que mal conseguem estabelecer uma rota na disputa. Não perdoa os volúveis e os indecisos.

Perder ou vencer um campeonato é o resultado óbvio – poucas vezes o futebol surpreende, por mais que desejemos acreditar na “caixinha de surpresas” – de uma postura ao longo da temporada, ainda mais quando se trata de um campeonato com 38 partidas.

O São Paulo ganhou três campeonatos seguidos de mesma maneira, ao comer os adversários pelas beiradas, perder nos momentos menos importantes, fazer experiências no início do torneio (jamais no final), nunca trocar o pneu com o carro em movimento.

Não é à toa que o técnico do antigo São Paulo e do atual campeão nacional é o mesmo sujeito. Muricy Ramalho, quando não venceu, chegou na reta final, mesmo no ano passado. Lá, o Palmeiras – dirigido por Muricy - dava os primeiros sinais da doença crônica que o acomete hoje.

O Fluminense manteve o mesmo treinador. É uma marca de quem leva o torneio. Tempo para dar a cara e o jeito do técnico ao time. O Corinthians teve quatro treinadores, se contarmos o interino Fabio Carlyle. Foram três reinícios, o que inviabiliza de imediato o entrosamento entre os atletas e a maturidade diante dos obstáculos do jogo.



Em um campeonato longo, é fundamental ter elenco, reservas à altura para suprir contusões e suspensões. Os reservas do Corinthians, principalmente no ataque, decepcionaram. Souza, Danilo e Dentinho (fora da maioria das partidas por lesão) fizeram apenas dois gols cada. Jorge Henrique também amargou a inatividade e fez seis gols. Iarlei, a exceção, foi titular em boa parte do torneio. Marcou oito gols.

No meio-campo, Bruno César – artilheiro com 14 gols – não teve substituto. De Frederico já está na Argentina e não deve voltar. O “novo Messi” ficou na promessa. Sequer foi relacionado para a última partida.

Um time campeão precisa de um comandante. Sempre presente. Conca jogou todas as partidas e foi o maestro do Fluminense. O reconhecimento veio com o título de craque do campeonato e o pedido de convocação para a seleção argentina por vários jornais estrangeiros.

No Corinthians, vários jogadores dividiram a liderança, o que – em tese – seria saudável. Mas esta liderança não se concretizou na parte técnica, apenas nos bastidores. Um exemplo foi a relação conflituosa entre parte dos jogadores e o ex-treinador Adilson Batista.

Em campo, as estatísticas, que respondem parte da dúvida, indicam a dependência de Ronaldo. O time tem desempenho superior quando o atacante joga. O problema é atuou em 11 partidas (seis gols), pouco para uma disputa rodada a rodada entre três clubes grandes. Bruno César mal chegou e é muito novo para assumir o controle e ditar como o time deveria jogar.

Se voltarmos à declaração de Casagrande, chegaremos aos pontos que talvez tenham feito diferença na classificação final. O Corinthians, apenas para pensar no segundo turno, empatou com Vitória (BA), Guarani e Goiás, todos rebaixados. Ganhou somente do Grêmio Prudente.

Fora da zona de rebaixamento, o Timão empatou com o Ceará e conseguiu perder por 4 a 3 para o Atlético (GO), dentro do Pacaembu. Venceu o Avaí, assim como Fluminense.

O campeão brasileiro, aliás, perdeu as duas partidas para o Corinthians. Mas venceu Vitória, Guarani e Ceará e empatou com Goiás e Prudente. Perdeu somente para o Atlético (GO). O conjunto compensa – de certa forma – a diferença de pontos para o rival paulista.



Sei que os números sempre têm carga relativa. Há o risco do reducionismo. Ou talvez ajudem a entender a falta de fôlego. O fato é que o Corinthians, apesar de sempre próximo das decisões, foi irregular ao longo da temporada, assim como sua principal estrela.

Culpar o terceiro lugar no Campeonato Brasileiro à pressão e à maldição do ano do Centenário é transitar entre a especulação e a mandinga, ambas subjetivas. A compensação é que explicar a perda de um título não envolve somente a objetividade de tabelas e porcentagens. Implica também nas opiniões contraditórias, nos achismos, nos episódios de fundo de vestiário que jamais saberemos, nos desmandos e nos conflitos de relacionamento em vários níveis dentro do clube.

O Corinthians perdeu o campeonato por uma série de circunstâncias. Qual é o peso de cada uma delas? Não saberia dizer. Não apostaria nem me arriscaria. Apenas enumerei algumas hipóteses para entendermos que o mínimo que se espera de uma equipe deste tamanho é planejar todos os passos durante a temporada.

É claro que nenhum clube se mostrou digno do termo “profissionalismo”. Valem mais as rimas, como personalismo e paternalismo, entre dirigentes técnicos e jogadores. Planejamento – quem sabe? – se encaixaria melhor como contenção de danos ou administração de egos. E isso me parece que o Corinthians não fez com tanta eficiência como o tricolor carioca.

Comentários

Daniel Santos disse…
Não sei se você já leu o Blog do Paulinho http://paulinho.midiasemmedia.com.br/ . Ele é um jornalista e corintiano roxo, porém não deixa de denunciar as coisas principalmente contra Andrés Sanches, além de outros clubes + CBF.

Eu achei fantástico o texto, longo mais fantástico. Um texto que fala muito mais que o coração torcedor, fala com coerencia e fala a verdade.

Sarros a parte, muitos gostariam. Mas infelizmente a cultura do brasileiro não premia o segundo e o terceiro lugar. Qualquer lugar do mundo estes seriam honrosamente homenageados. E por isso eu parabenizo o Corinthians também. Cá entre nós, ele, cruzeiro e fluminense... este ano demonstraram o que é futebol.

Mas o futebol é belo por isso, como você mesmo falou.. A formula mais justa premia os justos... E o Fluminense só foi campeão na última rodada. Se formos analisar, poderia ter sido o Corintihans, que planejou também. ULTIMA RODADA!! Não foram duas ou tres rodadas. Foi na última. Isso não é desmerito. DEsmerito é ter um presidente como Andrés que numa festa da CBF tenta dar cutucada no Fluminense e desmerece-lo. De certa forma, até tendo razão, pois Fluminense realmente subiu pela porta dos fundos a série A. Mas nao havia necessidade dele falar.

E vamos ser sinceros, para sarro de torcedor e para o ego de alguns clubes, ser campeão no Centenário é raelmente importante... Mas para a vida do clube, para existência, ser campeão ou não campeão no ano dos 100 anos, não passa de mais um ano sem titulo. Poderia ser os 89 anos, poderia ser os 90 anos, poderia ser os 105 anos. É a mesma coisa para o clube. Ser campeão, vão querer ser sempre, centenário é coisa pra torcedor comemorar, tirar sarro, etc. Foi mais um ano apenas e isso que deveriam ter colocado na cabeça, talvez assim, poderiam ter se sagrado campeões em vários campeonatos que disputaram.

Parabéns Marcão pelo texto. Foi um torcedor escrevendo? Sim, mas primeiramente... foi um jornalista, com coerencia, com a razão, deixando as emoções de lado. Isso é para poucos. você soube. Parabéns!
Daniel Santos disse…
Perdão... alguns moomentos eu sai escrevendo e não re-lo para corrigi. Parece incoerente e/ou soa estranho as palavras.
Anônimo disse…
Prezado Marcão

Discordo do teu artigo. Acho que o Corinthians manteve a média, foi coerente e, no final, se saiu muito bem! Não fosse isso não teria ficado com o bronze. É uma posição honrosa. Dá direito ao podium. E também à disputa da Libertadores o ano que vem. Tá bom, né?

Grande abraço, do Márcio.
Anônimo disse…
"Ser campeão não é fundamental. O fundamental é ser corintiano" (Juca Kfouri). O Corinthians foi o único time que cresceu durante o jejum de títulos. Foram quase 23 anos de angústia, agonia, sofrimento e paixão. O doutor Sócrates diz que "...ser corintiano é um estado de espirito". É mais do que torcer por uma agremiação futebolística, é mais do que vestir uma camisa, é mais do que comemorar um título... Ser corintiano é um fenômeno sobrenatural, inexplicável, místico...
Enfim, o torcedor alvinegro deve expressar orgulho pelo centenário. É um time, acima de tudo, glorioso.


pupo