Três por quatro (Escritas do Cotidiano # 1)



Por Rafael Gonzaga de Oliveira e Vanessa Barbosa Ornelas

Cabelos grisalhos. Pele castigada pelo sol. Olhos castanhos constantemente marejados. Perambula pela avenida, travestido de gente importante: paletó preto condecorado de tampas de garrafa, alfinetes e Deus sabe o que mais. Louco.

No ponto de ônibus, estávamos eu e ele. Esperava o meu martírio com a mesma impaciência que ele descansava de seu longo passeio noturno. Como se quisesse aquietar o espírito, procura nos bolsos algo que para mim não parecia importante: uma carteira de couro já gasto que fora aberta com muito cuidado, o que não impediu que uma foto 3x4 caísse no chão. Mais do que depressa, o homem buscou-a, transtornado.

— Se eu perder você, estou perdido — disse, dirigindo-se à imagem de uma moça.

Guardou seus pertences com pressa e se pôs a andar descontinuadamente em direção a lugar algum. Era como se aquela mulher tivesse lhe tirado o pouco de sanidade que lhe restava durante aquele curto período de tempo.

Nem todos podem aceitar isso, mas talvez este homem seja apenas alguém que, ao sofrer extrema desgraça, por fraqueza ou conveniência, preferiu se tornar produto de uma mente desiludida.

Obs.: Texto produzido na Oficina Crônica - olhar e ver o (nosso) cotidiano, dentro da IV Semana de Produção Multimídia (Samba), da Universidade Santa Cecília, em Santos (SP).

Ilustração: Kitty Yoshioka

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