
Levando em consideração o estaleiro forçado de Ganso, Neymar é o melhor jogador em atividade no futebol brasileiro. E o pior deles. O atleta do Santos consegue incorporar e simbolizar os dois extremos do esporte que opera com tal voracidade que deixaria corado de vergonha muitos corretores de bolsa de valores.
Neymar é um exagerado. Exagera na qualidade dos dribles, nas provocações aos adversários. Coleciona golaços. Enumera erros crassos. O pênalti-cavadinha, que levou o goleiro Lee, do Vitória, aos holofotes, foi um dos motivos que geraram a última confusão em torno do jogador do Santos. Na verdade, são cinco razões, cinco cobranças desperdiçadas ao longo da temporada. Natural que um treinador mude de cobrador oficial, desde que o fato seja comunicado com antecedência.
Os exageros também contaminam os que cercam o atacante. A imprensa que o considera polêmico, o chama de projeto de craque e alerta para possíveis fracassos foi a mesma que o comparou a Robinho e delirou quando o associou a Pelé. Os atiradores de pedras são, em parte, as mesmas pessoas que especulavam sobre o destino do Brasil na Copa do Mundo se Ganso e Neymar tivessem sido convocados pelo então técnico Dunga.
O clube o transformou em ícone de uma nova tendência que não existe. Não há reação do mercado brasileiro ao pacto colonial do futebol. O Brasil segue a colônia fornecedora de matéria-prima, assim como seus vizinhos de América Latina. Repatriar atletas representa a sobrevida de muito jogador com a carreira em coma, na Unidade de Terapia Intensiva.
Recusar uma proposta milionária do Chelsea tornou Neymar um caso específico. O plano de carreira ainda é uma concepção teórica, que talvez resista à próxima investida européia. Depende de quem gerencia o presente e o futuro dele. Neymar, especial como jogador, também é singular como mercadoria.
Neymar foi exposto em demasia. Com menos de um ano no time profissional, transformou-se em bonequinho, animador de festas, celebridade. Vida pessoal reduzida a zero. Pressões contratuais. Inúmeros filmes publicitários. O dinheiro tentador cobra seu preço. Ninguém vende a alma sem ter que se preparar para a contrapartida do acordo.
O garoto tem vida de atleta profissional desde os 13 anos. Alguém se preocupou em prepará-lo para as conseqüências de ser protagonista no esporte que protagoniza as atenções no Brasil? Quem efetivamente pensou em planejar a carreira dele e conter a exposição esquizofrênica de um menino de 18 anos, cujos rendimentos crescem em progressão geométrica?
Agora, depois de seis, sete episódios que minaram a imagem de Neymar, resolveram contratar um psicólogo para tratá-lo (ou ouvi-lo)? Por que não se tomou decisão alguma no primeiro escorregão? Ele é o único responsável pelo problema, passível de multa salarial? O psicólogo será a reencarnação híbrida de Freud e Jesus Cristo, capaz de operar milagres no comportamento do garoto?
Neymar é o retrato em preto e branco do jogador de futebol brasileiro de ponta. A postura arrogante, a indiferença pela hierarquia e pela orientação dos mais experientes, o individualismo, as referências a si mesmo em terceira pessoa, as relações conflituosas com os demais atletas e a atração doentia pela mídia não são características exclusivas do atacante do Santos.
O jogador atual é paparicado, vive cercado de um exército de puxa-sacos que pouco pensam e agem de maneira profissional. O atleta é explorado como um cifrão de meias e chuteiras, pronto para ser descartado quando nascer o próximo investimento.
A história do futebol é recheada de jogadores que poderiam ter sido craques ou gênios. Muitos craques poderiam ter construído uma história mais consistente. Hoje, fazem o mea-culpa, mais velhos, ao olhar para trás em frente às câmeras. De Neto a Edmundo. De Marcelinho Carioca a Adriano.
Neymar não é o gênio que muitos desenham, a partir de interesses múltiplos. Neymar também não pode vestir a roupa do bufão, como desejam os carrascos armados de martelo e prego.
O jogador, de 18 anos, se comporta de maneira coerente com que se espera dele. Com a responsabilidade depositada nele. Com o discurso eufórico e perverso injetado nele. É surpresa testemunhar o atacante que vomita o alimento recebido por anos?
O Santos se omite de suas reais responsabilidades. Pune o atleta, mas não o acompanha nos pormenores. O time passou por mudanças profundas na virada do semestre. Perdeu três atletas acima da média. O melhor da equipe só retorna no próximo ano. Neymar ganhou tarefas e um peso muito maior para carregar. E não é exclusividade dele somente o sucesso e o fracasso do clube.
É preciso sabedoria para retirá-lo da linha de frente, sem incinerar a imagem do menino. É a hora em que o clube – por meio de atletas mais rodados, técnico e dirigentes – terá que tratá-lo como filho, e não como criança mimada, livre de limites, desacostumada a ouvir “não”. A reação diante do técnico Dorival Júnior, no jogo contra o Atlético-GO, foi típica do adolescente que faz o que bem entende.
O técnico Renê Simões, da equipe adversária, foi lúcido ao dizer:
— Estamos criando um monstro.
O Santos recebeu a segunda oportunidade. Uma nova geração de atletas capaz de atrair torcedores, conquistar campeonatos e atingir a seleção brasileira.
Ao clube, restou a encruzilhada do diabo. Transformará Neymar em monstro consagrado? Ou repetirá os erros monstruosos cometidos com Robinho, que culpa as equipes onde fracassa e promete – a cada temporada – se tornar o melhor jogador do mundo?
Comentários
Ele é o 1º grande jogador jovem que surgiu após o boom das redes sociais. Essa proximidade com as " pessoas comuns" acho que é mais um fator que o prejudica, já que nem sempre ele sabe usá-lo.