
Reuniões de trabalho são disputas de força. Neste ambiente, a síndrome de pequeno poder se manifesta em seus portadores. O contágio se dá por vários sintomas, perceptíveis pelos papéis que compõem o jogo de cena, no qual prevalecem falsos interesses, sorrisos circunstanciais e dribles para a torcida (ou o chefe mesmo!).
Em uma reunião, é possível perceber um elenco de personagens, incorporados de forma fixa pelo mesmo ator, mas também em caráter de revezamento, o que depende da pauta e do lugar. Eis a turma:
1)O escrivão – anota tudo o que é dito no encontro. É o meio de demonstrar interesse. Nunca vai ler o que escreveu.
2)O pensador – o olhar é atento, mas a mente nunca esteve por lá. Em balão de histórias em quadrinhos sobre a cabeça, estaria escrito: — O que estou fazendo aqui? Tenho tanta coisa para resolver.
3)O comunicador – papel exclusivo do líder da reunião, mas pode ser estendido a um aliado. Na verdade, a reunião se transforma uma central de recados, sem espaço para debate, já que o chefe apenas avisa sobre os acontecimentos e decisões. Muito comum em reuniões entre equipe pedagógica e professores.
4)O franco-atirador – Personifica o balcão de sugestões. Sempre tem uma ideia de ocasião. Mas nunca peça para ele executá-la. Sua contribuição morreu ao parir a proposta. Sua cria é terceirizada para os trouxas (ou caxias) de plantão.
5)O camaleão – Nada conforme a correnteza. Não tem vergonha em mudar de opinião, ainda que a contradição seja imediata e escandalosa. O que vale é ficar de bem com a maioria.
6)A samambaia – A presença deste personagem não faz diferença. Jamais quer ser notado. Prefere ser peça decorativa no cenário. Passa meses em silêncio. Faltou hoje? Não percebi.
7)O burocrata – O papel é o fetiche. Tem tesão por ofícios, memorandos e requerimentos. Quanto maior a papelada, maior a chance de dizer que trabalha demais. Horários, lugares e ficha de presença nas reuniões são mais importantes do que soluções.
8)O amigo do rei – Adora as reuniões, em outro sentido. É a oportunidade de estar mais perto do chefe e, se possível, bajulá-lo diante de todos. É puxa-saco de fato, de direito, de vocação e de profissão.
9)O promíscuo – Reunião é o princípio do prazer. A perversidade de pagar qualquer preço para não trabalhar. Engrossa as comissões que inúteis. Quase todas. Agarra-se em reuniões para matar o tempo que falta para ir embora.
10)O relojoeiro – Obsessivo com a contagem do tempo. Pensa na reunião a seguir. Outros compromissos, milimetricamente agendados, mantém a engrenagem em ordem. Sem atrasos. Sem improvisações.
11)O advogado do diabo – Sempre elogia antes da crítica. Ama a palavra “mas”. — Sua proposta é interessante, muito boa, mas ...
12)A múmia – personagem resistente. É o primeiro a fincar a bandeira contra qualquer mudança, mesmo as que o beneficiam. Bebe em exemplos antigos e adora expressões como “no meu tempo, na minha época.” Estes períodos são sempre melhores, é claro.
13)O fantasma – Nunca aparece. É o mais inteligente de todos.
É muito provável que tenha me esquecido de outros personagens. Há, com certeza, outros tipos que seriam a fusão dos que descrevi acima.
Se você se identifica com uma das espécies, fique tranqüilo. É um trabalhador qualquer, dominado como a maioria. Se você se viu em vários sujeitos, não peça demissão ou corra para a terapia. Você está em vias de se tornar o funcionário do mês, com direito a foto no hall da empresa e aperto de mão do rei, que errará seu nome.
E relaxe: se esta crônica não serve para nada, uma reunião - pelo menos - serve para marcar outras.
Ilustração: Kitty Yoshioka
Comentários
Sou vários personagens descritos, até o rei. Uma camaleoa de tipos.
Gostei muito. É leve e bem humorado.
Mas se quer mesmo saber minha opinião... O que acha de marcarmos uma reunião para isso?
Rsrsrs
Cada descrição me fez pensar em alguem no meu trabalho...até em mim mesma...risos...e nao contou quem sou....rsrs
Catarina Batista