Tiririca, o palhaço sincero



O início do horário eleitoral gratuito, incapaz de nos informar sobre as pretensões reais dos candidatos, sempre se assumiu como um show de humor. Nada incoerente. Nada surpreendente. Apenas reproduz, a cada dois anos, os limites da classe política. Expõe com nitidez a falta de credibilidade, o oportunismo e o despreparo técnico da maioria destes homens públicos.

É ilusório pensar que as figuras bizarras no horário eleitoral são exceções. E o rei do ilusionismo é um palhaço, que teima em nos dizer as verdades, que mascaramos no auto-engano quando sorrimos das piadas. Ou engolimos na roupagem chique dos pseudo-pensadores.

Entre ex-jogadores de futebol, artistas de segunda linha e mulheres do pomar, o primeiro nome que aparece em qualquer rodinha é o do palhaço Tiririca. Do riso à indignação, Tiririca driblou a indiferença na fauna de candidaturas ao Poder Legislativo.

Tiririca é um homem sincero. Ele nos fala, diariamente, pelos gracejos e pelo deboche o que a maioria dos candidatos pensa. Não é preciso exercício de adivinhação. Basta ouvirmos o que prometem no mesmo espaço. Boa parte deles também desconhece o que faz um deputado. Prometem, por exemplo, ações específicas dos outros poderes. Ou se dizem contra algo que é proibido por lei há anos. A diferença é que, se chegarem lá, não pretendem nos contar. Muitos sequer desejam aprender.

Temos o caso de dois irmãos do segundo time da música pop. Um deles é candidato. Os dois garantem ser contra a pedofilia. Redundância grosseira. Ganhariam destaque, talvez, que fossem a favor da exploração sexual. Outros candidatos batem no peito que têm a ficha limpa. Não seria uma obrigação, no mínimo?

Tiririca parece não se levar a sério. Mas nunca mostrou tanta seriedade como agora. Objetivo e determinado a vencer. Traçou uma rota sem escalas, por meio de uma campanha racional e calculista. Finge desconhecer assessores. Finge respostas atrapalhadas. É o personagem que se mistura ao ator. É o momento em que o palhaço dá o nó na platéia, envolvida no prazer das próprias gargalhadas.

Soa apressado partir para a proibição absoluta. É comum ouvirmos que candidatos como Tiririca não deveriam concorrer. Pelo contrário. A presença dele simboliza um ato natural na suposta democracia em que vivemos, ainda que imatura. O problema é que Tiririca, quando fala como criança, somente reforça a infantilização do discurso político. O deboche reside no tratamento dado a eleitores que, por vezes, também reagem de maneira infantil.

A maioria dos candidatos – escondidos sob a pose da seriedade e das roupas de griffe – se vale de uma retórica frágil e infantilóide para convencer o eleitorado.
Tiririca, quando debocha do cargo para o qual concorre, ilustra o que muitos eleitores e candidatos pensam sobre a Câmara dos Deputados e têm vergonha ou pudor de dizer. A corrida eleitoral oscila entre o cinismo e a piada.

Como o politicamente correto exercita e patrulha a hipocrisia, a eleição se transforma em um cenário plástico, sem cor, cheiro ou gosto atraentes. Prevalecem as frases contidas, os gestos limitados, os olhares vazios que – no fundo – representam mecanismos para se debochar do eleitor, ele mesmo um fingidor em muitos momentos da campanha. Todos se transformam em seres robóticos, tão padronizados quanto qualquer comida fast-food.

Neste sentido, os slogans são funcionais. Grudam no cérebro. As frases de efeito provocam debates acalorados ou debochados sobre o papel que os deputados federais costumam exercer (inclusive os ilícitos). Os candidatos se vendem como produtos em um palco gratuito na TV. Mais luzes para as melhores performances.

As pesquisas eleitorais indicam que existe uma chance razoável do palhaço de ofício chegar à Brasília. Pela coligação do partido e pelo impacto da campanha. Tiririca seria o voto de protesto da vez. Concordo, em parte. Muitos votarão nele por uma questão de afinidade.

O que me preocupa é transformá-lo em ícone da indignação. Parece-me a assinatura do papel de trouxa ao quadrado. Protestar, por excelência, é anular o voto. Ou evitar o personalismo da eleição pelo voto de legenda.

Levar o palhaço de profissão ao Congresso Nacional é perpetuar a brincadeira em torno de temas que exigiriam o mínimo de seriedade e bom senso. Na campanha, tornou-se impossível saber o que há por trás da maquiagem de palhaço. A piada se constrói pela ausência de discurso.

Historicamente, a política brasileira indica que os eleitos por protesto lideram a fila do beija-mão assim que entram na ante-sala do poder. Clodovil foi o último deles. Enéas, independente do preparo intelectual e das posições políticas, seguiu o mesmo caminho.

Em Santos, por exemplo, Zé Macaco, o vendedor de raspadinhas, foi o vereador mais votado até a última eleição. Acabou devorado pelos tubarões antes da primeira braçada na Câmara Municipal. Acabou pobre e esquecido.

O candidato escolhido como símbolo de protesto comete – involuntariamente – um segundo equívoco. Ele arrasta uma série de colegas com votações e histórias inexpressivas. Poderiam representar a renovação, mas poucos estão interessados nisso. Na maioria dos casos, trocam de legenda na primeira oferta, atraídos por vantagens, claro, individuais.

A presença de Tiririca pode ter um impacto inicial na mesmice da corrida eleitoral. Mas é uma presença que repete a fórmula, enquanto desnuda a cortina que cobre os monstros. Obriga-os a sair debaixo da cama e nos assustar antes de receberem os diplomas de quatro anos de duração.

Tiririca expôs o Horário Eleitoral Gratuito ao ridículo, mas não é o responsável por esta característica. Apenas vendeu mais do mesmo, em tempos nos quais os humoristas estão proibidos por lei de satirizar os palhaços.

Do slogan-deboche de Tiririca, nasceu minha única dúvida sobre ele. “O povo não é palhaço. Eu sou” é uma meia-verdade ou uma mentira sem pernas curtas?

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