Porto: manda quem pode, obedece quem faz política

“O presidente da Codesp ligou diretamente para o ministro Pedro Brito, que falou com a Casa Civil, que falou com o ministro do Meio Ambiente, que revogou a decisão.” A declaração é do deputado federal Marcio França (PSB-SP), dada à repórter Rejane Lima, de O Estado de S.Paulo.

França disse que pediria uma investigação na Câmara Federal sobre a postura do Ibama, que interditou o Porto de Santos por três horas na última quinta-feira. No mesmo dia, o Instituto fechou o Porto de Paranaguá (PR) por oito horas. O local foi reaberto por liminar concedida pela Justiça Federal. Em ambos os casos, a alegação dos fiscais foi descumprimento do prazo para apresentação de documentos que visem o licenciamento ambiental.

Os dois episódios indicam, com a clareza de um cristal, que meio ambiente é o assunto menos importante para os envolvidos. A ordem é fazer política mesmo. Se possível, da maneira mais rasteira, ignorando a importância institucional em detrimento do personalismo de dirigentes e amigos da corte. Prevalecem os telefonemas vermelhos e “sabe-com-quem-está-falando?”.

Em qual Ibama devo acreditar? No escritório de São Paulo, que tomou a decisão de lacrar o Porto de Santos, ou em Brasília, distante milhares de quilômetros, mas colado nos corredores do poder. Se os escritórios de São Paulo e do Paraná tomam medidas semelhantes no mesmo dia, há um padrão de comportamento entre as unidades estaduais? E este padrão, se existe, é via contrária à postura do centro nervoso, na capital federal? Os dois escritórios fizeram política rasteira?

O Ibama não fala língua única. São vários idiomas, escolhidos conforme os ventos da política. Perde a política ambiental, frágil na gestão Lula. Perde a instituição, à mercê de fiscais super-poderosos ou de autoridades de terno e gravata cinzas. A situação mostrou um instituto desgovernado, o que facilita exatamente aqueles que deveriam temê-lo, os infratores. Se a coisa fosse séria, jamais a Codesp ignoraria a decisão do Ibama de São Paulo, sob o argumento de que seguia as determinações de Brasília.

Outro ponto nesta história é como o Porto de Santos se relaciona com a questão ambiental. È um barril de pólvora com um fósforo aceso ao lado. O porto faz jus à cor cinza de muitos armazéns abandonados. Não há controle ambiental digno do nome. Política para o setor se restringe às brincadeiras pontuais, sem planejamento de longo prazo e avaliação das conseqüências, conhecidas por todos, mas dispensadas para o fundo do canal do Estuário.

O Porto de Santos, por exemplo, não tem controle algum sobre a água de lastro despejada pelos navios. A água colabora com a poluição do canal e das praias, além de trazer uma série de espécies invasoras, que alteram e corrompem o ecossistema local.

Onde está a rede de esgoto? È possível imaginar onde vai parar toda a quantidade de dejetos produzidos por quem trabalha ou transita pelas áreas portuárias? È possível acreditar nas bandeirinhas verdes que asseguram a balneabilidade das praias? Bandeirinhas verdes que enfeitam o mar negro.

O Porto de Santos recebe milhares de caminhões todos os dias. Os motoristas e seus veículos ficam amontoados em pátios, sob condições insalubres. Muitos veículos não passam por fiscalização e são máquinas produtoras de fumaça. Sabe-se que o problema é mais profundo do que o próprio calado do porto. Optou-se pelo modelo de transporte sobre rodas, somado à timidez nos investimentos na malha ferroviária brasileira. Nada justifica tratar caminhoneiros como se fossem gado à espera do abate.

Quem mora em Santos já sentiu inúmeras vezes cheiros desagradáveis com origem no porto. A Cetesb detecta o problema, aplica uma multa equivalente ao cafezinho dos executivos e a vida segue, com a rotina de vazamentos muitas vezes atrelados ao excesso e à rapidez da produção.

Os milhares de trabalhadores que mantém o cais em funcionamento 24 horas por dia recebem treinamento sobre o impacto ambiental de suas atividades? No máximo, segurança do trabalho, sem a fiscalização rigorosa em muitos setores.

Pensar em meio ambiente é muito mais do que repor meia dúzia de plantinhas ou capacitar meia dúzia de moradores para funções mal remuneradas, como acontece em obras nas margens portuárias. Pensar em meio ambiente é avaliar o impacto do relacionamento entre o homem e o espaço onde vive, com quem interage. Ligar o tema somente com bichinhos e árvores é crer em duendes atrasados 25 anos.

Lacrar dois portos brasileiros deveria envolver uma discussão como estes locais entendem e atuam em relação ao meio. Ainda que focalizem o crescimento econômico como único caminho ao paraíso, portos são muito mais do que recordes na movimentação de cargas. Quem ganha com os números? É necessário considerar que um dos motores atuais é justamente a conexão com meio ambiente. Só que tal mentalidade implica em questionar o imediatismo como o único combustível.

Esta história, entremeada por ligações (telefônicas ou não), retrata como a classe política não vai além das tapadeiras que cegam o horizonte social. Discutir o assunto com seriedade é apenas plataforma de campanha, nada diferente de abraçar criancinhas. Se o encontro “afetivo” se der em oficinas isoladas de reciclagem e outras medidas circenses, melhor ainda.

No fundo, o lobo segue como cordeiro, com pelagem cinza, e mostra garras e dentes quando se duvida do Deus-progresso, com o milagre da multiplicação dos cifrões.

Comentários

Só posso assinar embaixo.