A peruca e o corno



O ritual acontecia todas as semanas, a forma dela se esquecer do mundo para cuidar de si mesma. Depois do almoço, Joana seguia para a clínica de estética. Ainda pensava como salão de beleza, mas precisava se adequar aos novos tempos, ao novo palavrório, dizia.

Ao chegar na clínica, tinha uma rotina: cumprimentar a todas – até as desconhecidas – com dois beijos no rosto. Sem que houvesse toque. Poderia se melecar com algum creme ou novidade que as tornaram mulheres cobiçadas. Ao menos, pelos maridos ou pelos freqüentadores da padaria em frente.

Depois das beijocas estaladas, sentava em frente à manicure, sempre com novas formas de decoração das unhas. Joana, que a considerava uma designer, sempre aceitava as sugestões. Entendia que a “colega” tinha bom gosto. Por que não chama-la de designer? Uma vez, leu em um muro: designer de sobrancelha. Se o título valia para uma, valia para todas!

Depois das mãos, fazia os pés. Por último, mexia em alguma coisa no cabelo. Pintura, alisamento, hidratação, conhecia todas as marcas e se orgulhava de estar antenada e ter experimentado os últimos produtos e técnicas.

O cabelo era o coração daquele corpo que ainda despertava desejo. Só a cabeleireira mexia nele. O marido, embora elogiasse todas as semanas, quase nunca. Uma exceção: quando faziam as “coisinhas”. Joana sabia que Regis elogiava de maneira mecânica; ainda assim, era um avanço, diante de tantas amigas que reclamavam da indiferença de seus homens.

Enquanto fazia o cabelo, percebeu que duas funcionárias da clínica brincavam com uma peruca. Parecia a novidade do dia. Não poderia ficar ausente do papo. Perguntou de quem era a peruca. Ouviu da funcionária:

- Quer experimentar?

Joana topou de imediato. Quando vestiu a peruca, castanha na medida certa para seu tom de pele, teve a certeza: era hoje! Sentia-se nova, jovem, virgem.

Clientes e funcionárias se revezavam nos elogios.

- Foi feita para você!

- Ficou ótima, linda!

- É hoje que ele te diz: EU TE AMO!

Empolgada com tanto confete, Joana não duvidou ao pedir para a dona da clínica que emprestasse a peruca. Por uma noite apenas! Queria testar a reação de Regis. No fundo, sonhava com um olhar de cobiça, algo além de murmúrios positivos.

À noite, tomou um banho demorado, regado a óleos corporais. Depois de enxuta, os cremes para deixar a pele lisinha e – quem sabe? – esconder as imperfeições que não mentem sobre o tempo. Vestiu a melhor e menor camisola. Queria saber como Regis reagiria à peruca. Poderia ser um tempero sexual. Sair da monotonia.

Regis chegou depois das nove. Elogiou como de costume. Será? O olhar era diferente, mais sedutor, meio perdido, de quem não compreendia algo novo naquele ambiente.

Era jogo de cena. Regis adorara o cabelo. Para ele, um cabelo diferente, que deixava a mulher mais sexy. Joana desconfiou. Parecia brincadeira. Será que ele não percebera a peruca?

A noite foi como alguns anos atrás; não pela peruca, mas pela selvageria na pegada, nos beijos, nas carícias. Ela relaxou, mas mantinha uma sirene ligada: não deixar que Regis puxasse seus cabelos. Ver a fantasia interrompida seria tão broxante quanto o dia que perderam o show de Fabio Jr.

Ambos gozaram e deitaram com aquelas caras de satisfação, iguais as que fizeram quando foram à churrascaria pela primeira vez. Regis passava as mãos pelos cabelos dela e não parava de repetir elogios. Lindo! Sexy! Sensual demais! Falou tanto até a voz diminuir e desaparecer com o domínio do sono. Ela se sentia uma criança, ninada como uma mulher merece.

No dia seguinte, pela manhã, café na manhã e todas as frases feitas de um casal em lua-de-mel. Regis continuava a passar as mãos e a falar sobre o cabelo dela. A peruca era um sucesso. Seria o remédio anti-monotonia. Até onde ele levaria essa brincadeira? Havia virado um joguinho bem prazeroso, mas ele poderia ser o Regis de sempre.

No final do café, ele voltou a acariciar a cabeça dela. A aliança de casamento enganchou em um dos fios da peruca, que saiu na mão dele. Joana levou na brincadeira, gargalhou e olhou para o marido. Regis estava perplexo, com os olhos arregalados, a testa enrugada, como nas horas em poderia explodir e contava até dez.

Foi quando ele perguntou, sem perceber a redundância:

- É uma peruca?

- Regis, para de brincar. Você não percebeu?

- Não, não percebi. Se não consigo perceber que minha mulher usa peruca, fatalmente não enxergo outras coisas. Devo ser corno e não sei. Sou um corno desinformado.

Antes que ela respondesse, ele se levantou e foi para o chuveiro. Sozinho!

Ilustração: DACOSTA

Comentários

alano_luiz disse…
Grande texto, uma passagem bem interessante da vida privada, penso que alguns casais vivenciam estas situações ao longo da vida a dois, professor sua descrição é perfeita e qundo o problema do relacionamento e a monotonia e posto,torna-se algo muito criativo, parabéns um belo texto para começar o dia e lembrar de como a mulher mereçe uma atenção especial sempre.
Unknown disse…
O grande x da questão é que toda relação é um contante crescer, mudar, amadurecer, nem mesmo os cabelos crescem e ficam perfeitos de um dia para o outro, assim como as relações amorosas. Fato é que perceber e principalmente acompanhar essa evolução é o grande truque que a felicidade pede!!!
Nesse caso o corno não é o último a saber, mas é o que vive no "piloto automático", olhar sem ver é defeito de egoístas, sejam de qualquer sexo, cor ou religião!!!
Anônimo disse…
Apesar do texto muito bem escrito, parece mais uma sátira sobre a mulher. Como se a única coisa que a mulher sabe fazer é ir ao salão de beleza, desculpe, à clínica de estética.
É como se elas fossem culpadas pela distração e distanciamento dos maridos, namorados ou ficantes.
Nestes casos as chances do marido se tornar um corno desinformado é grande.
Tirando essas coisas o resto está ótimo!
Parabéns.
Respeito a interpretação, mas - em momento algum - o texto apresenta a intenção de responsabilizar as mulheres pelo comportamento dos maridos. A responsabilidade é deles.