Os extremos de Marina

Matéria publicada no jornal Boqueirão (Santos/SP), em 04 de julho de 2010, edição n.796, página 06.

A fragilidade de Marina Silva impressiona. Ao ser agarrada por fãs, correligionários e oportunistas, parece que sofrerá uma fratura de tão magra. Não usa maquiagem ou brincos. Veste roupas sóbrias, que mesclam o preto e o cinza, típicas de uma mulher devota à religião. Ela poderia passar por absolutamente comum, vantagem que parece fascinar e aproximá-la das pessoas também comuns.

A candidata do PV à presidência atende a todos os pedidos de fotografias, distribui abraços, beijos e apertos de mão no terceiro andar de um dos prédios da Universidade Católica de Santos, na avenida Conselheiro Nébias. O ritual é de quem está em campanha e veio à cidade pedir apoio local, costurar alianças. Mas também não pode desprezar o eleitor anônimo, que se pode conquistar com um simples sorriso ou uma foto.



O modo de falar dela é doce, coerente com a estrutura física. A própria Marina Silva reconhece que foi mais longe do que poderia esperar. Passou por cinco malárias, três hepatites, uma leshmaniose mais a contaminação por mercúrio. Residiu em Santos por um ano e oito meses para tratar dos efeitos desta substância química em seu organismo. O vínculo com a cidade se estende à família. Marina casou-se com um santista e tem vários parentes na Baixada.

Ao sentar-se no auditório para dar uma palestra sobre os temas que mais domina, Meio Ambiente e Educação, a ex-seringueira mostra uma voz forte, convicta, dura. Dispara um caminhão de dados, para reforçar o argumento de que tinha força à frente do Ministério do Meio Ambiente, cargo que ocupou por cinco anos e três meses. Estatísticas que vendem a imagem de candidato bem informado.

Marina Silva foi de um extremo ao outro no sistema educacional. Ela foi alfabetizada aos 16 anos. Um ano depois, terminou a primeira etapa do Mobral. Formou-se em História pela Universidade Federal do Acre. Tornou-se sindicalista após conhecer Chico Mendes.

No auditório da universidade, a senadora licenciada alterna o discurso de candidata com o didatismo da professora. Ela fala como uma mulher do povo. A informalidade apareceu nas histórias pessoais em tom de piada, quando contou sobre a primeira vez que veio à praia. “Você acha que pode se comportar sem ser farofeiro. Mas todo mundo vê que você é farofeiro. Era uma mulher da floresta”.

Ou quando apontou para a filha Mayara, presente com outros parentes em um dos auditórios da universidade. “Ela confirma a teoria de melhoramento da espécie”. Provocou risos e aplausos na platéia de aproximadamente 250 pessoas, entre políticos, jornalistas, universitários e pessoas simpáticas à candidata.

Consenso oco - A descontração alternou com a indignação política. Aí entrou a professora de História. Marina explicou conceitos como uma intelectual, quando – por exemplo – criticou a postura da sociedade brasileira diante dos problemas ambientais. Como argumento, apoiou-se no francês Edgar Morin. “Precisamos construir uma comunidade de pensamento. Como vamos buscar respostas sem acabar com os recursos naturais? Temos um consenso oco. Todos concordam, mas ninguém faz.”

Como candidata à presidência, Marina Silva parece ter entendido a cartilha de campanha, que indica o flerte com a elite, seja política ou econômica. Em Santos, além de visitar a universidade mais antiga, foi à Associação Comercial, onde conversou com diretores.

Ela evitou as ruas do Centro, compromisso que fazia parte da visita à cidade. A mudança de planos alimentou as especulações de que quis evitar um encontro com o candidato do PSDB, José Serra, que também visitaria o Pastel Carioca, tradicional reduto da classe política, na praça Mauá.

De qualquer modo, o povo não estava mais ali, pois a candidata do PV deixou a Associação Comercial 45 minutos antes da partida entre Brasil e Chile. E nem Serra apareceu, foi ver o jogo na Vila Belmiro.



Marina Silva sobe o tom de voz cada vez que é questionada sobre o candidato à vice-presidente, Guilherme Leal. Antes da campanha, Leal era conhecido somente no mundo corporativo. Ele é presidente da Natura, uma das gigantes do setor de cosméticos.

A candidata evitou falar abertamente sobre as disputas internas do PSDB na escolha do candidato a vice. Insinuou uma crítica às alianças políticas, mas enfatizou a escolha feita pelo PV, cujo nome foi pressão dela própria. “Não tenho nenhuma temeridade em relação ao meu vice. Quero curtir meu vice. Nossa escolha é baseada em programa de governo. Queremos discutir ideias.”

Vice bilionário - O patrimônio de ambos, declarado essa semana à Justiça Eleitoral, também ratifica os extremos em torno da candidata do PV. Marina Silva tem um patrimônio de R$ 149 mil, sendo um terço em conta bancária, mais uma casa em Rio Branco (AC) e lotes que somam R$ 42 mil. Guilherme Leal é um bilionário. A declaração de bens dele atinge a casa de R$ 1,1 bilhão.

A maturidade política a tornou mais maleável. A sindicalista, que batia firme na mesa nas negociações, percebeu que – para chegar ao Palácio do Planalto – é preciso conversar, e principalmente ouvir, os patrões. A escolha do vice é sintomática. A estimativa de gastos de campanha também. Ela estimou gastos de R$ 90 milhões. Boa parte deste dinheiro deverá vir da classe empresarial, simpática à discussão sobre Meio Ambiente e à pose de terceira via política.

Em Santos, a candidata do PV mostrou ainda flexibilidade ao falar do petróleo e das descobertas no nível do pré-sal. Adotou um tom mais conciliatório, sem romper com a matriz energética dominante. “O petróleo ainda é um mal necessário. A humanidade não tem como abrir mão dele, mas uma parte dos recursos tem que ser destinada para tecnologia e produção de conhecimento.”

Ilustre desconhecida – Quando aborda a corrida eleitoral, Marina Silva foge de choques diretos com os demais candidatos. A estratégia de campanha é clara: não cutucar os adversários, falar sobre si e seus programas.

A postura ficou evidente, quando questionada sobre as pesquisas eleitorais. Marina transita entre 9% e 12%, índices considerados muito bons pela equipe de campanha dela. Ainda mais que metade dos eleitores pesquisados não a conhece. “Eu não tiro voto do Serra nem da Dilma. Eu recebo votos dos eleitores. O eleitor não foi privatizado pelas outras candidaturas.”

A falta de alianças também é justificada pela tangente. Marina provoca os adversários, mas não os agride diretamente. “Nossa política de alianças é suprapartidária. Os palanques dos outros candidatos parecem água e vinho. Minha estratégia é conversar com as pessoas.”

O mesmo vale para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A candidata do PV saiu magoada do governo, que preferiu o cinza ao verde na condução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas Marina não critica o ex-chefe. Sabe que a alta popularidade dele transformaria a crítica em um tiro no próprio pé.

Em Santos, Marina Silva falou várias vezes em coerência. “Temos que admitir avanços no Brasil. Cerca de 25 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza nos últimos oito anos. Outros 33 milhões entraram na classe média”. Ela negou que seja uma opositora do desenvolvimento e do crescimento econômico. “Mas não há como desenvolver sem as bases naturais”.

Ética - Diante dos extremos de uma candidatura que coloca em xeque a polarização PT-PSDB no processo eleitoral, Marina Silva volta às origens em um ponto. A senadora pelo Acre ressuscita o discurso do Partido dos Trabalhadores, nos anos 80, no qual a ética servia como um dos pilares da retórica política. Ela participou da fundação do PT.

Na palestra na Unisantos, por exemplo, usou o termo mais de dez vezes. “O problema brasileiro é ético. Está no cerne de todas as respostas.” No fundo, um termo que não costuma ser sinônimo da imagem da classe política.

Crédito das fotos: Luiz Nascimento

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