Dizem que quem escreve sempre opta por escrever sobre o ato de escrever. Cedo ou tarde, cai na armadilha da auto-referência. Seria uma espécie de enrolação, fruto da falta de criatividade do autor do texto. Ou da pressa mesmo, para quem está sem assunto e precisa preencher linhas. Sempre tive a suspeita de que, quando se escreve sobre o escrever, o autor fecha os olhos para o mundo, abaixa a cabeça e visualiza o próprio umbigo no horizonte.
Honestamente, não assinaria embaixo estas afirmações. Ser categórico sinaliza ingenuidade ou presunção diante de uma prática tão particular, por vezes solitária. Começo a considerar que pensar sobre a escrita pode nos conduzir para a autocrítica, o que também configura mera especulação.

Há a terceira via. Escrever sobre a escrita pode ser um frágil exercício de auto-engano e de crime lesa-leitor, que acompanhou o texto até o final na esperança de refletir sobre algo importante, saborear palavras poéticas ou simplesmente se entreter.
Não resolvi escrever sobre o escrever para fraudar sua inteligência, leitor. Escrevo como tentativa de compreender as angústias de um velho amigo, que não vejo há quase 20 anos. E que, involuntariamente, se tornaram minhas!
Os caminhos da Internet permitiram nossa reaproximação, ainda virtual. Trocas de e-mails. Leitura recíproca de blogs. Cordialidade e palavras agradáveis. Na semana passada, porém, recebi um e-mail dele, em que se questionava sobre os motivos que nos levam a escrever.
È possível, com as palavras, mudar o mundo? Ou, pelo menos, incomodar mentes? Ou – em ambições mais modestas – deixar o sujeito desconfortável na cadeira diante das palavras lidas?
A mensagem me paralisou, pois jamais tinha pensado sobre os porquês de abrir um arquivo de Word e despejar palavras em seqüência que, organizadas, formam crônicas, artigos e colunas. Levei alguns dias para pensar no caso. A primeira reação: escrevo por uma questão de necessidade. Estou viciado na morfina que sufoca a angústia das palavras desordenadas em um texto qualquer.
A conclusão é simplista, quebradiça. È pouco! Demanda um texto com mais profundidade. A intenção serve para agora. Aqui estamos!
Quando escrevo, é o único momento em que me aproximo da liberdade. Escrever é a chave para escapar das convenções, das satisfações, das cobranças, das preocupações com o que o outro pode pensar ou como ele pode reagir. Instituições e estruturas de poder se tornam relativas; balançam, ainda que no campo da imaginação.

Escrevo porque sou egoísta, porque acaricio minha própria vaidade. Quem escreve o faz primeiro para si. Imaginar um leitor médio é como buscar uma entidade invisível do além para explicar a concretude do mundo. Confessemos: quem escreve não tem a menor ideia de quem lerá e como reagirá diante do conteúdo.
Escrevo porque sonho em quebrar as regras, transgredir com os próprios valores sem me mover. Escrever é saltar o muro que protege a opressão e a manipulação do cotidiano, dar um murro no carrasco e retornar para cá sem que ele perceba de onde veio a pancada.
Escrevo para fugir de mim mesmo. Tento escapar de minhas qualidades, enaltecer meus defeitos, deixar de lado a necessidade de agradar para pertencer e cultivar minhas fraquezas com todas as forças possíveis.
Escrever é um ato de petulância para aquele que fala o que não deveria ser dito. Cheira à manifestação de humildade, de quem fala o que precisa ser dito. Ou fede à submissão dos que falam o que outros ordenaram que seja dito.
Escrever é sangrar a indignação contra a estupidez do homem e do ambiente que o aprisiona. É o suadouro contra nossa própria impotência diante de quem nos mantém inertes. È vomitar as dores que deveriam nos empurrar para longe dos cantos, rumo ao centro dos acontecimentos que nos tornam únicos.

Escrevo para manipular os outros e a mim. A manipulação para perversidade e à intolerância? A orientação rumo ao diálogo? Ou a sedução para uma estação inesperada?
Escrevo por almejar o mais alto grau de sensibilidade e poesia. Morro pelo olhar diferenciado, pelas sensações quase sempre ausentes de quem segue e não vê. O texto que sonha transpirar palavras-testemunhas do inusitado, o especial que nasce a partir do rotineiro.
Escrever é se apaixonar e, principalmente, respeitar as palavras. Nascem neutras, ganham peso histórico, constroem vidas, destroem reputações, matam crenças, ressuscitam princípios, aterrorizam os que as desprezam.
A escrita ambiciona o reconhecimento ilusório. Quem escreve veste as roupas do carrasco e o capuz da vítima. Quem escreve é refém da ambigüidade do controle sobre as palavras e da impotência quando as vê publicadas.
Escrevo para reproduzir e perpetuar a dúvida. Significa fugir da verdade absoluta e a abraçar a incerteza como uma tábua no meio do mar. Cultuar o altar das perguntas que abdicam das respostas prontas e imediatas.
Escrevo por temer a indiferença. A morte para um autor é a cela obscura da ignorância dos leitores. Punir-me seria não me ler. Matar-me seria não comentar minha obra. Enterrar-me seria virar as costas à existência do meu pensamento por escrito.
Talvez escrever seja o ordinário fato de juntar palavras numa tela branca, numa página de caderno ou em pedaço de papel de pão. Prefiro crer que escrever seja um ato complexo de libertação. Cabe a cada autor acertar o destino das algemas que insistem em arroxear os pulsos e limitar os dedos no teclado ou na caneta.
Em tempo: Sicilio Rocco é o pseudônimo deste amigo, potencial vítima das patrulhas do politicamente correto. É alguém com dúvidas tão reais quanto profundas. E que também são minhas! Como as alucinações que embalaram as afirmações deste texto.
Honestamente, não assinaria embaixo estas afirmações. Ser categórico sinaliza ingenuidade ou presunção diante de uma prática tão particular, por vezes solitária. Começo a considerar que pensar sobre a escrita pode nos conduzir para a autocrítica, o que também configura mera especulação.

Há a terceira via. Escrever sobre a escrita pode ser um frágil exercício de auto-engano e de crime lesa-leitor, que acompanhou o texto até o final na esperança de refletir sobre algo importante, saborear palavras poéticas ou simplesmente se entreter.
Não resolvi escrever sobre o escrever para fraudar sua inteligência, leitor. Escrevo como tentativa de compreender as angústias de um velho amigo, que não vejo há quase 20 anos. E que, involuntariamente, se tornaram minhas!
Os caminhos da Internet permitiram nossa reaproximação, ainda virtual. Trocas de e-mails. Leitura recíproca de blogs. Cordialidade e palavras agradáveis. Na semana passada, porém, recebi um e-mail dele, em que se questionava sobre os motivos que nos levam a escrever.
È possível, com as palavras, mudar o mundo? Ou, pelo menos, incomodar mentes? Ou – em ambições mais modestas – deixar o sujeito desconfortável na cadeira diante das palavras lidas?
A mensagem me paralisou, pois jamais tinha pensado sobre os porquês de abrir um arquivo de Word e despejar palavras em seqüência que, organizadas, formam crônicas, artigos e colunas. Levei alguns dias para pensar no caso. A primeira reação: escrevo por uma questão de necessidade. Estou viciado na morfina que sufoca a angústia das palavras desordenadas em um texto qualquer.
A conclusão é simplista, quebradiça. È pouco! Demanda um texto com mais profundidade. A intenção serve para agora. Aqui estamos!
Quando escrevo, é o único momento em que me aproximo da liberdade. Escrever é a chave para escapar das convenções, das satisfações, das cobranças, das preocupações com o que o outro pode pensar ou como ele pode reagir. Instituições e estruturas de poder se tornam relativas; balançam, ainda que no campo da imaginação.

Escrevo porque sou egoísta, porque acaricio minha própria vaidade. Quem escreve o faz primeiro para si. Imaginar um leitor médio é como buscar uma entidade invisível do além para explicar a concretude do mundo. Confessemos: quem escreve não tem a menor ideia de quem lerá e como reagirá diante do conteúdo.
Escrevo porque sonho em quebrar as regras, transgredir com os próprios valores sem me mover. Escrever é saltar o muro que protege a opressão e a manipulação do cotidiano, dar um murro no carrasco e retornar para cá sem que ele perceba de onde veio a pancada.
Escrevo para fugir de mim mesmo. Tento escapar de minhas qualidades, enaltecer meus defeitos, deixar de lado a necessidade de agradar para pertencer e cultivar minhas fraquezas com todas as forças possíveis.
Escrever é um ato de petulância para aquele que fala o que não deveria ser dito. Cheira à manifestação de humildade, de quem fala o que precisa ser dito. Ou fede à submissão dos que falam o que outros ordenaram que seja dito.
Escrever é sangrar a indignação contra a estupidez do homem e do ambiente que o aprisiona. É o suadouro contra nossa própria impotência diante de quem nos mantém inertes. È vomitar as dores que deveriam nos empurrar para longe dos cantos, rumo ao centro dos acontecimentos que nos tornam únicos.

Escrevo para manipular os outros e a mim. A manipulação para perversidade e à intolerância? A orientação rumo ao diálogo? Ou a sedução para uma estação inesperada?
Escrevo por almejar o mais alto grau de sensibilidade e poesia. Morro pelo olhar diferenciado, pelas sensações quase sempre ausentes de quem segue e não vê. O texto que sonha transpirar palavras-testemunhas do inusitado, o especial que nasce a partir do rotineiro.
Escrever é se apaixonar e, principalmente, respeitar as palavras. Nascem neutras, ganham peso histórico, constroem vidas, destroem reputações, matam crenças, ressuscitam princípios, aterrorizam os que as desprezam.
A escrita ambiciona o reconhecimento ilusório. Quem escreve veste as roupas do carrasco e o capuz da vítima. Quem escreve é refém da ambigüidade do controle sobre as palavras e da impotência quando as vê publicadas.
Escrevo para reproduzir e perpetuar a dúvida. Significa fugir da verdade absoluta e a abraçar a incerteza como uma tábua no meio do mar. Cultuar o altar das perguntas que abdicam das respostas prontas e imediatas.
Escrevo por temer a indiferença. A morte para um autor é a cela obscura da ignorância dos leitores. Punir-me seria não me ler. Matar-me seria não comentar minha obra. Enterrar-me seria virar as costas à existência do meu pensamento por escrito.
Talvez escrever seja o ordinário fato de juntar palavras numa tela branca, numa página de caderno ou em pedaço de papel de pão. Prefiro crer que escrever seja um ato complexo de libertação. Cabe a cada autor acertar o destino das algemas que insistem em arroxear os pulsos e limitar os dedos no teclado ou na caneta.
Em tempo: Sicilio Rocco é o pseudônimo deste amigo, potencial vítima das patrulhas do politicamente correto. É alguém com dúvidas tão reais quanto profundas. E que também são minhas! Como as alucinações que embalaram as afirmações deste texto.
Comentários
Parabéns pelo texto. A página e tela em branco são minhas tábuas de salvação quando meu coração está aos berros e os ouvidos do mundo não me escutam. Simplesmente, escrevo na tentativa de soltar minhas amaras e me libertar. Mas ao mesmo tempo, sinto que o ato de escrever é um auto-engano pois nos expomos a diversas interpretações e não chegamos a lugar algum. Zuleica.