A pílula do macho genérico

Texto publicado no jornal Boqueirão (Santos/SP), em 26 de junho de 2010, edição 795, seção Campo Neutro, página 2

A pílula azul foi a revolução sexual para muitos homens nos últimos 20 anos. Reacendeu a identidade do macho, salvou relacionamentos, recuperou a auto-estima, aliviou as tensões de quem elevava o passado ao sonho.

O laboratório alemão Pfizer perdeu esta semana a patente do Viagra, medicamento que só pode ser vendido com receita médica. Como qualquer um sabe, qualquer um pode comprar a pílula mágica. Com os genéricos, o que era festa vai, portanto, virar farra. O próprio Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo sabe disso. Pesquisa aponta que 68% das farmácias vendem remédios de tarja sem receita.

O Viagra perdeu, há muito tempo, a função de remédio. Virou mais um brinquedinho sexual. Com o fim da patente, começou a corrida pela pílula genérica, mais barata (até 50%), e com o mesmo princípio ativo, o citrato de sildenafil. Até o consumidor mais envergonhado, aquele que compra para o amigo (sabe?), perdeu o pudor. No mínimo, a pílula cura a vergonha.

A pílula azul existe para combater a disfunção erétil (conhecida como impotência sexual, na forma mais politicamente correta), que atinge – por exemplo – três em cada quatro homens acima de 70 anos.

O cálculo mais pessimista indica que 35 milhões de brasileiros com mais de 50 anos apresentam o problema. A maioria dos consumidores é desta faixa etária, mas cresce o interesse entre os jovens.

Por que muitos jovens consomem a pílula do amor? O apelido carinhoso ajuda a explicar que não se trata, quase sempre, de uma questão biológica, mas cultural. A sociedade brasileira, como a maioria das culturas, se ergueu em bases patriarcais. É a sociedade onde predomina o macho alfa, que precisa mostrar sua força e poder de liderança, além de ser respeitado em todos os quesitos, sejam públicos ou dentro do quarto.

O machismo seria uma das derivações de comportamento deste modelo. E a prova viva da macheza é a ereção, combinada com o desempenho sexual incontestável. Como qualificá-lo de “incontestável”? A única saída é a medição quantitativa. E a pílula é a arma perfeita para adulterar – no sentido de lustrar o ego mesmo! - as pesquisas individuais.

Nada contra as medições de quantidade. Mas quantificar fortalece somente a individualidade do macho, que precisa – antes de qualquer coisa – acreditar que sua masculinidade é inerente ao desempenho sexual. A opinião da parceira importa? Ela importa? As mulheres se preocupam somente com quantidade ou gostariam de uma combinação com qualidade e outros temperos no relacionamento sexual? A pílula representaria, então, um exercício de falsa solidariedade, máscara do egoísmo de quem precisa provar algo para si?

Entre os jovens, a macheza me parece mais conectada à aprovação do clã, do grupo. Evidente que também ocorre entre os mais velhos; neste caso, mais discretos. Desempenho irregular no sexo é segredo de Estado, em qualquer endereço.

O desempenho sexual também está associado à ideia de competitividade, cobrada em vários ambientes sociais. Competir com quem? Consigo mesmo. Ter uma performance invejável compõe o personagem público de muitos homens contemporâneos, escravos da aparência, do status que o outro pode conceder. E tais características, associadas entre si, soam mais latentes entre os jovens, viciados no agora, desligados do amanhã.

Não se trata de proporcionar prazer ao outro, mas o que o outro pode falar do sujeito, se pode estragar a imagem pública dele. É a imagem sagrada para o próprio indivíduo. O homem mais velho buscaria, neste sentido, reviver o passado, transformá-lo em presente. O macho jovem não vê passado, reforça o presente contínuo.

As vendas devem crescer 700% com a entrada das pílulas genéricas no mercado. Enquanto isso, a Pfizer tenta retomar a patente por mais um ano no Supremo Tribunal Federal. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu quatro autorizações para a fabricação da pílula. Todas para a mesma empresa, o grupo farmacêutico EMS. Transferência de monopólio?

Para quem precisa de um milagre ou de uma simples benção, o nome do santo é o que menos importa.

Comentários

Unknown disse…
Perfeita tradução do machismo dominante e infelizmente perpetuado, com tantos jovens confundindo tudo!!!
REcomendo a velha música do Gonzaguinha: POnto de Interrogação!! Uma inspiração do questionamento do macho!! Parabéns!!! Genéricos são tb os relacionamentos atuais, pq então todo o resto não seria?