Os medos que nascem na padaria

Faltavam dez minutos para o início do jogo entre Brasil e Portugal. Esperava um jogo amarrado, mas jamais uma partida de compadres. Como sonhamos com a vitória, repetimos sem culpa certos rituais que envolvem um jogo de futebol. Para alguns, são superstições. Para outros, a única forma de garantir a comunicação com Deus, que vai interferir no resultado. No meu caso, sede mesmo, mais a vontade de completar a tradicional pipoca nas partidas da Copa do Mundo.

Resolvi entrar em uma padaria a umas três quadras de casa, assim que desci do ônibus. Fui à geladeira e peguei a garrafa de refrigerante zero. Pipoca e Coca zero? Todos temos o direito a pequenos atos de cinismo. Pipoca de microondas equilibrada com refrigerante zero. Hipocrisia 1 a 0.

A decoração da padaria era metade Brasil, metade Portugal. Cheguei no caixa, duas pessoas no atendimento. O dono da padaria e a esposa. Ele, com a camisola portuguesa. Camiseta, em português de lá, não a roupa feminina de dormir, pô! Ela, de camiseta amarela. Na hora de pagar, puxei assunto:

- O jogo, daqui a pouco, quem ganha?

O dono da padaria respondeu:

- Os portugueses.

A mulher reagiu como se esperava:

- É claro que o Brasil vai vencer.

O dono da padaria, talvez com medo da mulher, ou pensando em não perder o cliente, ou ainda sonhando em manter a harmonia no estabelecimento e fora dele, achou que fecharia questão:

- Vai dar empate!

Respondi sem pensar! Jamais imaginaria que o português pudesse passar mal. Não passou, mas acho que chegou perto. Pelo menos mais perto do que Cristiano Ronaldo do gol.

O rosto do dono da padaria transfigurou quando lembrei que o empate colocaria Portugal em segundo lugar na chave. Como a Espanha era favorita contra o Chile, teríamos um confronto da Península Ibérica nas oitavas-de-final. Eu, naquele momento de inconveniência, fiz questão de lembrá-lo do detalhe.

- Se empatar, Portugal deve pegar a Espanha!

O português foi educado comigo. Não falou o que pensou. Ou o que imaginei que ele havia pensado. O dono da padaria não fechou a cara, propriamente. Ele respirou fundo, franziu a testa e me olhou como se lamentasse o destino de seu país.

Confesso que não entendi, de cara, o porquê do medo. Seria um jogo equilibrado, Espanha e Portugal. Como qualquer clássico! Pensava como colonizado, que precisa eternamente reforçar como se libertou e se vingou do colonizador. O esporte serve como metáfora de uma guerra que jamais aconteceu. Uma guerra alimentada na fantasia de um passado cheio de glamour, deformado em suas próprias verdades.

Sai da padaria e fui para casa de amigos ver o jogo. O jogo de compadres entre Brasil e Portugal, salvo os momentos de briguinhas de jardim da infância, não me tomou muito tempo de reflexão. Foi mais uma partida ruim em uma Copa de iguais e só.

Mas me peguei pensando na reação do português diante da palavra Espanha. Diante do encontro com o vizinho, rival secular em diversas esferas. Só me coloquei no lugar dele quando assisti à Argentina de Maradona e Messi destruir os mexicanos sem grandes esforços. Entendi o pânico do português quando ouvi a euforia dos argentinos. Ouvi o idioma espanhol.

Aí entendi: a Espanha é a Argentina deles!

Comentários

Rose Marques disse…
Ainda que bem que um joguinho sem graça como o de Brasil e Portugal rendeu uma crônica como essa!
Que texto não daria o jogo de ontem, contra o Chile?
Abração!
Unknown disse…
É verdade!!! No jogo propriamente eu dormi....rs!!
Excelente crônica, e como neta de dono de padaria, ora pois, não poderia deixar de lembrar como são simpáticos esses srs.
Hoje Portugal voltou para casa com a fraude do Cr. Ronaldo criado pela mídia!!
Nessa metáfora, nós colonizados produzimos infinitamente mais craques que nossos colonizadores!!
Parabéns!!!