História sem fim

Por Christian Godoi*

Era um lugar bucólico, lembrava qualquer cidadezinha brasileira quatrocentona. Ali passaram piratas, escravos, barões do café. Suas personagens atuaram com intensidade durante o regime militar; afinal, o sindicalismo vinculado às atividades portuárias transpirava nas paredes de cada casa.

Era uma cidade que, pela luta, havia se tornado justa: patrões e trabalhadores tinham o suficiente para viver, e, quando isso não bastava, negociavam. Isso, contudo, não impediu greves clássicas que permeavam o orgulho do seu povo.

Mas aquela população, sem perceber, era representante dos costumes caiçaras. Pudera! Imagine não usufruir daquela areia fina, do mar escuro, quente, convidativo, às vezes forte, com ondas longas e distantes. Era uma gente cercada de verde por todos os lados: Mata-Atlântica, morros, mangues. O odor das plantas se misturava ao da maresia nos dias mais quentes, principalmente perto do natal. Assim era um lugar bucólico: sonolento, prazeroso.

O mundo mudou, mudaram os valores: consumir, parecer, aparecer, progredir! Palavras de ordem impostas. O pequeno paraíso se iludiu com essa ideia. Por que não? O povo estava parado no tempo, diziam os governantes. A cidade precisa crescer, diziam os visitantes. Um dia descobriram ouro negro por ali. Os poucos ambiciosos passaram a desejar carrões, jóias, mansões. E o pior, colunas sociais, ostentação, desprezo pelo outro.

Os governantes trocaram o bem estar dos habitantes pelo avanço universal. Empresas se instalaram, arranha-céus foram erguidos. Estranhos às práticas locais passaram a circular e a humilhar aqueles antes orgulhosos neo-caiçaras. Falavam em pontes, aeroportos, trens, parques, museus, hotéis, eventos. Só trouxeram trânsito, ocupação desordenada, violência, desigualdade.

Então, aconteceu o inevitável: as pessoas antes tranqüilas, não mais conseguindo conviver com tantos sonhos e realidades massacrantes, começaram a deixar a cidade. Histórias foram abandonadas, costumes deixados de lado. Ah, mas seus hábitos foram capitalizados, e transformados em produtos rentáveis, inacessíveis para boa parte dos que ali permaneceram. Os novos ricos moradores podiam comprar esses hábitos e simular ser dali, mas não eram. Não tinham compromisso com o lugar.

Esgotaram os recursos da pequena e bucólica cidade, afogaram suas ruas, destruíram as paredes históricas, exploraram a humildade dos habitantes. Cobravam do povo qualquer especialização que pudesse ser explorada. Formaram um exército passivo movido pelo dinheiro; com sonhos abandonados, adestrado para só trabalhar.

O povo outrora orgulhoso, agora estava aprisionado nas empresas, endividado, tendo que trabalhar para pagar bens de consumo. Pior, sofrendo dentro de ônibus, no trânsito, convivendo com epidemias típicas de grandes centros urbanos; com o crime, as drogas, a mendicância. Tudo agora fazia parte daquela agora grande pequena cidade.

Não se sabe, no entanto, o final dessa história.

* Christian Godoi é jornalista e professor universitário.

Comentários

D. Santos disse…
Poderia dizer que é um Poeta da Triste realidade urbana. Um professor muito querido, pelo menos por mim. Sempre nos orientou a falar o que pensa, se expressar, assim como sempre fez em suas aulas e em conversas paralelas com os alunos. Sem medo de ofender ninguém, até pq a opinião dele era respeitosa, por mais que para alguns soasse o contrario, na realidade era uma luta pelos seus ideais, pelo que acredita, com honestidade.

Defini-lo, seria a melhor forma de comentar o seu texto, pois acredito que ele não só expressou o que todos pensam sobre a nossa realidade "Urbana" da nossa "Pequena Grande Cidade", ele falou a grande realidade com base na visão dele e que NÃO SÓ SERVE PARA MIM COMO SANTISTA, serve para qualquer um que ler de qualquer outra cidade que está vendo as constantes mudanças e o crescimento rápido e desenfreado que está tomando as cidades.

E quando o elogio, não é pq eu tenho os mesmo pensamentos que ele, pelo contrário, é pelo respeito que adquiri.. até pq mta coisa penso diferente.

Parabéns pelo texto Godoi e Marcão tbm por publica-lo
(malz os erros, sai escrevendo sem ler.. rs..)
Anônimo disse…
REalmente essa pode ser qualquer cidade da baixada santista e pq não do litoral brasileiro? Cidades tranquilas, com seus caiçaras, pescadores, sem grandes arroubos e nem por isso infeliz!!! TRouxeram o progresso, e toda a sorte de sentimentos que acompanham a ganância, a vaidade e etc... Qual será o final dessa estória? Só mesmo o Sr. Tempo para nos contar!! Modelos de destruição temos o suficiente!!! Vide Macaé no Rio, Campos e etc...!!! Cris
wendell penedo disse…
Visto que não existe mais território livre nesse planeta, esse texto triste parece ser um mantra que será repetido cada vez com mais frequência.