Gana e o falso orgulho africano



Depois das oitavas-de-final, a seleção de Gana é a única representante do continente africano na Copa do Mundo. E basta! É falsa a idéia de que o time poderia representar o orgulho africano no Mundial, como repetem a Fifa e parte da imprensa. O conceito de orgulho africano não existe. Significa uma proposta simplória, frágil e perversa de se analisar a competição.

Gana representa a si própria como país e, neste ponto, já existem inúmeras dificuldades para se construir uma identidade em torno da seleção. Nenhum titular atua em Gana. Dos 23 convocados, 20 jogam fora do país, principalmente na Europa. O técnico Milovan Rajevac nasceu na Sérvia.

O time, assim como as demais nações africanas eliminadas da competição, vive em um purgatório do futebol. Perdeu boa parte das raízes africanas no jogo, como a ginga, a inventividade, a ingenuidade que marca os praticantes jovens de um esporte. Perdeu a pureza que enriquece o futebol como espetáculo de sensações.

Durante a metamorfose, a seleção absorveu muitas características do futebol europeu, seja pela experiência individual dos atletas, seja pela pressão ou influência de treinadores. Gana pratica um futebol de força, amarrado taticamente, sem espaço para a criatividade. A equipe, robotizada, injetou uma overdose da pior parte das características européias.

Gana não pratica um esporte à européia, mas também não pode ser vista como uma legítima representante do futebol da África. Vaga pelo limbo da globalização do futebol. Virou uma igual ao sucumbir à padronização da técnica e da estratégia. Joga como as seleções européias de segunda linha, com pequenas diferenças, principalmente os lampejos de alguns atletas ainda adeptos da improvisação. Mas perdeu Essien, do Chelsea, que não foi ao Mundial, e tornou Gana um time ainda mais ordinário.



Por trás do debate sobre a europeização do futebol da África, está uma questão de identidade cultural: existe um futebol africano? Assim como África é uma concepção genérica, fruto de uma visão colonialista, o mesmo acontece com as seleções de futebol. É impossível colocar no mesmo saco os cinco representantes do continente e dizer que eles são o futebol africano. Como se fosse uma identidade só.

O conceito de África é somente uma delimitação geográfica, que reforça os rótulos e os preconceitos contra o continente. A África, neste sentido, assumiria o papel de lugar violento, miserável, selvagem e doente. Violência e prepotência é desconsiderar valores culturais, histórias e formas diferentes de viver em um continente múltiplo e vasto.

É insano resumir 53 países, com suas particularidades culturais, políticas e econômicas, como A África. O olhar europeu necessita desta simplificação para reforçar sua imagem de superioridade e, é claro, sustentar a África logo abaixo. Nada diferente dos Estados Unidos quando olham para o sul e dizem:

- Latinos! Hispânicos!

Ou é possível crer que uruguaios e porto-riquenhos são irmãos gêmeos? Ou que nós, brasileiros, somos o clone cultural dos dominicanos? Mal parecemos com os vizinhos de porta, os argentinos.

Assim como a perspectiva européia uniformiza o continente, a Fifa apela para a uniformização do futebol africano. Com a diferença que as razões da entidade que controla o futebol são financeiras, mercadológicas. A Fifa teme a queda de interesse entre as nações africanas pelo Mundial. É sentimentalismo barato para quem nunca olhou direito para as necessidades do esporte naquela região.

A Fifa engrossou o coro de exploradores ao fechar os olhos para a saída de atletas a preço de banana. Jamais propôs uma política de longo prazo que desse solidez ou profissionalizasse as ligas locais. Os olhos dos velhinhos que comandam a entidade estão vidrados na Europa e seus campeonatos de alta rentabilidade econômica.

A Fifa sempre fez política, mas finge que não a pratica. A Fifa sempre se associou a governos das mais variadas ordens e comportamentos. A ordem é não se envolver, como se fosse possível separar futebol e política. Omitiu-se em questões de caráter geopolítico se o bolso estivesse cheio de notas verdes. E insiste em negar a co-responsabilidade na transformação do futebol de vários países africanos em um frankstein de chuteiras.

Gana não é um continente em 11 corpos. È apenas a única representante dele, fruto de um futebol promissor, que não evoluiu, foi transfigurado. Não é o fato de sediar uma Copa do Mundo que vai tirar os principais países da África de um papel secundário dentro do futebol. A exceção é a formação de mão-de-obra barata para times da Europa. Neste caso, cerca de 10 países do continente, juntos, são protagonistas.

Gana pode derrubar o Uruguai e até alcançar a partida final. Mas isso não muda o quadro, apenas o ratifica. Os times africanos são chamados de surpresas em Copas do Mundo desde 1982, na Espanha, quando Camarões empatou três vezes, uma delas contra a Itália.

Em 1996, a Nigéria foi campeã olímpica. Nesta Copa, ficou em último no grupo. Em 2006, não disputou a competição. Não vence uma partida em Mundiais há 12 anos. O Governo nigeriano decidiu retirar a seleção de competições internacionais por dois anos, com o objetivo de reavaliar a estrutura local do futebol e supostamente investigar denúncias de corrupção.

Os casos isolados se repetem e reforçam a paralisia do futebol daquele continente. Gana não simboliza mudança. Veste a camisa das circunstâncias. Não era hora de mudanças estruturais em vez de promessas pontuais?

Comentários

Unknown disse…
Apenas uma pergunta:
Não é no futebol que utilizam a máxima "em time que está ganhando não se mexe"??????
Vão mudar o que?
As verdinhas continuam com os Havelanges, TEixeiras e Blatters da vida!!!
E sabe o que é ainda pior, é que a grande maioria não tem visão alguma além da bola e do gramado!!!
Belo texto!!
Daniel B. disse…
1. AnaCrisAlmeida - Essa história de "em time que está ganhando não se mexe" é fruto de um bando de cabeça "oca" do futebol que acha que todo jogo é igual. Por ex. Time B vence o time C, já o time C vence o time A e já acham q o time B vence o A só pq perdeu para o time q ele venceu. O que é errado de se pensar.

2. Marcão - Nunca imaginei o Marcão entender tanto de futebol. Na real, eu sou apaixonado por futebol e sempre vi o Professor como "neutro" nessa história do mundo da bola e acabo de perceber que ele entender de futebol muito mais que eu. E não estou sendo ironico, estou falando que nunca tive esta visão realmente. Parabéns, por sinal.

3. O ROUBO SEGUIDO DE MORTE: A europa está ASSALTANDO e ASSASSINANDO o futebol Africano. Já não bastava ao longo da história, o povo europeu INVADIR, ROUBAR, MATAR E DESTRUIR, dizimar povos e tomar para si terras que não eram suas. Agora eu vejo o futebol partir para o mesmo caminho, se definhando cada vez mais, perdendo seu brilho e sua alegria e assim como o professor falou, virou futebol mecanico, robotico, etc.

4. Brasil - Vocês se lembram o que era o Futebol Brasileiro? Vocês veem o que hoje? Eu as vezes acredito que há um bando de Europeu vestindo a camisa verde e amarelo, no qual perdeu sua identidade, que jogava bonito, hoje joga sem brilho, sem nenhuma emoção, perdeu a razão, jogadores jogam sem amor, com o pensamento no dinheiro, talvez no carro importando, no rolex, na cobertura que vai dar pra namorada, pq até a mãe com certeza vai ficar para segundo plano, a loiraça que vai levar pro pagode e tomar umas cervejas, ou até mesmo desfilar nas passarelas de milão, se achando modelinho em capa de revista para classe alta, etc.

5. Santos - Sou São Paulino, mas vejo o futebol do Santos aquele futebol alegre, futebol de menino, que com brilho conquista fãs de todos os times e que outros acabam por copiar. Antes da copa, pude presenciar o meu time, começar com esse brilho, com dois jogadores, mas ainda mecanico d+, europeu d+, mas tudo isso FRUTO DA GRANA QUE ROLA SOLTA. Mas a tendencia, é o Santos voltar a ser mecanico, os meninos vão embora, a grana é necessário, o futebol arte acaba, eles vão europeus, vai ter fortalecimento muscular e o futebol arte deles acabar.

6. FIFA - Depois da Reportagem do Estadão que entrevistou um reporter Escoces, que investigou a FIFA e falou coisas maravilhosas, inclusive da copa 2014 + CBF... prefiro nem falar mto.. melhor deixar pra lá, já que esta reportagem do ESTADAO fala por si só.
Anônimo disse…
Em que linha discordei do que vc disse?
Esse é o pensamento que domina o ambiente futebolístico e não o que deveria ter ou ser utilizado!!!
Leia com calma!!!
Presta atenção....rs

anacrisalmeida
Tudo foi dito pela anacrisalmeida e o Daniel e só para acrescentar a falta de identidade com o continente reflete nas seleções africanas, além de se exportador de jogadores jovens sem possuir raíz econômica, política e social nos países africanos, há exceções como o Weah e o Drogba, que fazem atitudes humanitárias dentro do continente africano.
No Brasil e nos outros países campeões do mundo houve importação de jogadores que trouxeram qualidades aos seus certames internacionais, diferentes dos clubes africanos que só os países do norte da África conseguem ter exitos intercontinentais.
No Brasil por exemplo pouca gente sabe de um técnico estrangeiro que mudou a mentalidade tática para sermos campeões em 1958 seu nome Bella Guttman, considerado por muitos um grande técnico e por saber lidar com jogadores importados dentro de um país, fez isto no Brasil, Uruguay e em Portugal.
Marcão meus parabéns por seus artigos de Copa do Mundo.
Anônimo disse…
Excelente texto. Porém peca ao mencionar a europa como algo com identidade...ok, existe a uniao europeia mas longe de uma identidade unica...ou os portugueses pensam iguais aos suecos? e os franceses e alemaes??