Para estufar este filó
Como eu sonhei
Só
Se eu fosse o Rei
Para tirar efeito igual
Ao jogador
Qual
Compositor
Para aplicar uma firula exata
Que pintor
Para emplacar em que pinacoteca, nega
Pintura mais fundamental
Que um chute a gol
Com precisão
De flecha e folha seca
Parafusar algum joão
Na lateral
Não
Quando é fatal
Para avisar a finta enfim
Quando não é
Sim
No contrapé
Para avançar na vaga geometria
O corredor
Na paralela do impossível, minha nega
No sentimento diagonal
Do homem-gol
Rasgando o chão
E costurando a linha
Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um
Senhor chapéu
Para delírio das gerais
No coliseu
Mas
Que rei sou eu
Para anular a natural catimba
Do cantor
Paralisando esta canção capenga, nega
Para captar o visual
De um chute a gol
E a emoção
Da idéia quando ginga
(Para Mané para Didi para Mané Mané para Didi para Mané para
Didi para
Pagão para Pelé e Canhoteiro)
(Futebol – Chico Buarque)
A arena estava lotada naquela noite de sábado. E aí termina a semelhança com um jogo de campeonato. A torcida era para um time só, escalado com dois titulares. Uma torcida o tempo todo sentada e quieta. Comportamento que engana quem o associa a tédio ou indiferença. Focalizada no centro do palco, num jogo de pouca movimentação física.
Vaias, jamais. Aplausos, a cada gol, todos de placa, alguns mais excitantes, outros mais poéticos. Nenhum deles de bico. Ali, seria desrespeito maltratar o instrumento de trabalho para atingir um resultado de felicidade fugaz. O gol de placa estará sempre registrado pela sua própria diferenciação do ordinário.
O vencedor estava definido antes de o espetáculo começar. Nada de resultado combinado ou comprado. Nem ingresso ou bilheteria como parte do ritual. A goleada era dada como certa, mesmo sem um adversário de corpo presente. Os jogadores poderiam até seguir roteiro pré-estabelecido, mas – como craques – viraram as costas para a tática de vestiário no momento certo. Serviram ao improviso e à criatividade espontânea, de quem desfila sem pose pelo campo de jogo. Mecânico mesmo só o sons do instrumento, fruto de anos de treino e movimentos ensaiados por um dos jogadores. A técnica submissa, mas não escrava; voluntária à arte.
A partida foi única. A primeira, de muitos espectadores, inclusive meu filho Vinicius, de seis meses. Primeira vez no estádio. Ele não se lembrará do show, tampouco o momento em que um dos craques apontou para ele ao balançar o placar. Mas eu poderei contar a ele sobre a noite em que a música e o futebol se casaram – com juras eternas – numa arena. Arena para pouco mais de 100 testemunhas, no Sesc, em Santos.
Naquela noite, os músicos José Miguel Wisnik e Artur Nestrovski encerraram um evento de literatura. E abriram uma mostra sobre futebol. Como alguém que ensina uma criança a lidar com o laço que amarra os sapatos, os dois levaram o público, pela mão e ouvidos, para sentir como livros, música e futebol estão entrelaçados por amor, ironia e poesia.
Nestrovski e Wisnik, sem ordem de importância, são como as duplas que encantam no futebol. São diferentes e iguais. Depende de quem sente. São rápidos e lentos. Depende de quem vê ou de como a partida necessita. Matam a bola no peito e batem de primeira ou aliviam a defesa de carrinho. Depende do ímpeto do adversário.
As duplas memoráveis se completam. As comuns se atrapalham porque se sobrepõem ou porque servem aos próprios egos. No futebol de Wisnik e Nestrovski, os papéis no campo são cristalinos.

Nestrovski faz o jogador cerebral. Controla o ritmo como alguém que toca violão com técnica apurada. Não gosta de ser virtuoso. É discreto, de poucas palavras, porém fundamentais para ditar a trajetória da partida. Muda o andamento da peleja sem que ninguém se dê conta. Contém-se nas paixões para assegurar que a racionalidade engane o adversário.

Wisnik também veste a camisa 10. È extrovertido no modo de jogar. Quase se senta na arquibancada para ver o próprio jogo. Permite que a paixão se sobreponha ao jogo cerebral. Tem um dedo de performance no jeito de conduzir a bola. Inclui, a sua maneira, os torcedores no espetáculo e retribui com carinho imediato, no limite entre o inesperado e o previsto.
Os dois, ao darem uma aula-show no Sesc, passaram por composições próprias, de outros artistas (como Futebol, de Chico Buarque), e textos literários musicados. Misturaram a música com análises leves e profundas de autores brasileiros e suas relações com futebol. E conectavam com experiências pessoais com os livros, as partituras e a bola.
O espetáculo teve quase 90 minutos. Partida completa, concluída com o momento de êxtase do jogador que comemora junto ao torcedor quando vence o campeonato. Com os sorrisos e violão de Nestrovski ao fundo, Wisnki deitou-se no centro do campo (literalmente) e agradeceu aos deuses da música, literatura e futebol por falarem o mesmo idioma. E por permitirem que dois camisas 10 vistam as cores do mesmo time.
A partir de 18 de junho, os dois jogadores disputam três partidas em Portugal. Gramados diferentes, continentes separados, cultura um dia colonizadora, mesmo desfile de melodias e bola. São os filhos que indicam ao pai como se aprecia e se pratica várias artes fundidas num chute ou num acorde. Depende da metáfora.
Comentários
Um abraço,
Alessandro
Defutebol não entendo, mas sei quase tudo de Chico Buarque...rs...
Essa música traduz bem a paixão do brasileiro pelo esporte bretão, que confesso não consigo entender...rs.