O time privilegiado

O médico e ex-jogador Tostão possui o melhor texto da mídia impressa, quando o assunto é futebol. Sensatas, as colunas dele sempre causam a sensação de surpresa. Tostão enxerga com decência, sem interesses, além do trivial. Costuma nadar contra a massa de cronistas. Ou se antecipa a ela.

A lucidez de Tostão se manifestou mais uma vez quando ele afirmou, há três meses, que recusaria um mimo do Governo Federal. O ex-jogador mineiro se referia ao benefício que consta no projeto de lei apresentado na última semana, pelo governo Lula.

O projeto estabelece prêmio de R$ 100 mil mais auxílio mensal de R$ 3,4 mil para os jogadores que participaram das Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970, quando a seleção brasileira ganhou o título. Em caso de morte do atleta, o salário será repassado à família dele. O valor é correspondente ao teto pago atualmente pela Previdência Social. Se o ex-jogador recebe aposentadoria hoje, a diferença, em relação aos R$ 3.416, 54, será acertada.



O “presente” de Lula será custeado pelo Ministério da Previdência. O prêmio de R$ 100 mil, isento de Imposto de Renda e contribuição previdenciária, sairá do orçamento do Ministério dos Esportes. Ou melhor, os dois “agradinhos” terão origem na carteira dos contribuintes.

Por que temos que pagar mais esta conta? A medida cheira oportunismo eleitoreiro às vésperas da Copa do Mundo. O governo novamente confunde o público e o privado ao trabalhar com uma espécie de compensação perversa. Que culpa temos de que muitos jogadores não souberam administrar suas vidas pessoais?

Por que privilegiar, especificamente, os jogadores titulares e reservas de três mundiais de futebol? Todos foram premiados na época, além de serem profissionais no período. Se rezarmos pela lógica lulista, por que privilegiar um único esporte e não estender o benefício às demais modalidades que produzem campeões mundiais e olímpicos?

Não defendo a extensão do prêmio. O que questiono é o fato de escolher somente o futebol, numa ação com cheiro de populismo e/ou marketing eleitoral. O político aplica, sem pensar, a prática que norteia a si próprio. O olhar particular sobre as coisas públicas. A mentalidade de que um grupo sempre se destaca na comparação com o todo, às custas do que, na visão dele, seria de todos e de ninguém.



O governo Lula não difere dos demais no sentido de distorcer, sentado à sombra do poder, o papel público do Estado. O governo criou uma “turma de amigos”, com direito à teta especial, sob o argumento de que deveria auxiliar muitos jogadores em péssimas condições financeiras.

Em primeiro lugar, parte destes atletas vive muito bem, obrigado. Muitos levam uma vida de classe média. Outros ganharam dinheiro com o futebol durante e depois que encerraram as carreiras como jogadores. Transformaram em técnicos, por exemplo. Alguns são milionários e figurinhas carimbadas na mídia.

Se a ideia era ajudar os ex-jogadores que enfrentam problemas financeiros, por que não inclui-los em políticas públicas para os aposentados? Não, sempre se opta pela saída promíscua e veloz de uso do dinheiro alheio.

Ex-jogador é um trabalhador aposentado, com os mesmos direitos e prerrogativas dos profissionais de outras áreas. O projeto de lei soa como caridade perversa, até porque se utiliza do sistema previdenciário e se esquiva de olhar para o restante da sociedade. Basta observar a reação do governo à proposta de aumento de 7,7% para os inativos.

Peço desculpas por usar este termo, demasiado injusto, mas o governo os vê desta forma. Milhões de aposentados precisam trabalhar até a morte ou a invalidez absoluta para sobreviver em condições dignas, para não dizer mínimas.

O prêmio de R$ 100 mil reforça a proposta indecente de Lula. Premiar os três times a troco de quê? O capricho presidencial com meu dinheiro criou uma casta de privilegiados. Mais do que isso: pariu um precedente perigoso. Os campeões de 1994 e 2002 poderiam pedir a extensão do prêmio e da aposentadoria? E os praticantes de outros esportes? E os artistas premiados internacionalmente?

Pagar prêmios para atletas profissionais não é função de governo algum. É papel de patrocinadores e clubes, que faturam montanhas de dinheiro com a metamorfose dos esportes em negócios globalizados. O futebol profissional é uma atividade privada, com supervisão pública. Não deveria ser deste modo, mas assim a prática se configurou.

Penso ser aceitável que este presidente, em quem votei duas vezes, se mostre um homem “comum” nas expressões e nas paixões, como o futebol. Ele se aproxima do povo, sem soar artificial, sem esconder (apresentar?) a empáfia e a arrogância de muitos intelectuais. Este comportamento se constitui em um dos pilares da popularidade do lulismo.



Uma coisa é brincar e comentar sobre futebol em palanques ou solenidades. Outra atitude é interferir no mundo esportivo-corporativo, como se fosse o quintal de casa. Na hora de investigar os cartolas de clubes e federações, o segredo foi se passar por um cadáver. De preferência, com a boca costurada.

É uma pena que o Governo Federal gaste tão mal este dinheiro. São recursos que estariam bem empregados em saúde, educação e outras áreas sociais. Mas aí valeria a desculpa tradicional da burocracia e da necessidade de organizar projetos públicos.

É mais cômodo e eficaz – em período eleitoral – mascarar serviços e ações de má qualidade numa embalagem de política pública. E comunicar (mentir) a todos nós que, na verdade, sempre fomos premiados pelo Poder Público. Exceto para os amigos do rei, que recebem comendas à parte.

Comentários

Na minha opinião é muito complicado em falar sobre assistencialismo para ex-jogadores, o tostão foi genial em sua coluna na folha falando deste assunto. O problema não é da sociedade se algum jogador não soube fazer sua independência financeira, pensando que o pós-jogador seria de fartura. Conheci jogadores de futebol mais simples, tiveram boa cabeça e souberam fazer o seu pé de meia, foram humilides com o próximo. E outros já presenciei destes, mal tratando garçons e outros profissionais de classe inferior, inclusive se recusando a atender uma criança através de um gesto de um autógrafo e hoje em dia vive em situação pior do que estes que ele desprezara no passado.
Já temos bolsa família, bolsa isso, bolsa aquilo, e assistindo a países europeus fazendo cortes necessários cada vez mais aumentamos gastos desnecessários.
Para podermos reparar erros do passado, o governo deveria investir em educação de boa qualidade, dar boa qualidade esportiva para não ficarmos sempre depois dos 30 num quadro de medalha olímpico, para quem almeja ser um país de no bicentenário de independência do país, precisamos melhor muita coisa
Pablo Basile disse…
Tinha ouvido este absurdo na rádio Oi dia desses, antes de sair para o trabalho.
Você colocou com maestria a questão sobre nem você, nem eu e nem qualquer contribuinte termos culpa “de que muitos jogadores não souberam administrar suas vidas pessoais”, e também o eterno privilégio ao futebol, pensei na hora sobre o pan-americano de basquete (com Oscar, Marcel e Guerrinha, sobre os norte-americanos) e os inúmeros mundiais de vôlei.
Só achei que faltou citar escândalo semelhante, que já ocorreu e abre precedente, quando o Maluf (com o dinheiro do povo, claro) doou um fusca para cada jogador da copa de 70, lembra?
Ah, eu fui tri campeão de pebolim no colégio, quanto vou ganhar de pensão?
Abração.
Anônimo disse…
só espero que compreenda o erro praticado em duas eleições e marque um fim nesta em que ele diz"vote nela como se fosse nimmim"
Pablo, bem lembrado!! O atual deputado federal Paulo Maluf não teve que devolver o dinheiro equivalente aos 25 fuscas que deu de presente aos campeões de 1970. A ação foi julgada, em prol de Maluf, no Superior Tribunal Federal, em 3 de abril de 2006. Grande abraço!!
Anônimo disse…
CONCORDO, PORÉM É IMPORTANTE LEMBRAR QUE NÃO ESTAMOS EM UM REGIME DITATORIAL. O CONGRESSO PODERIA BARRAR MAIS ESSE ABSURDO UM QUALQUER CIDADÃO PROVOCAR O JUDICIÁRIO PARA QUE SE MANIFESTE SOBRE A LEGALIDADE DA MESMA.
RENATO.
Unknown disse…
Pois é, Marcus Vinicius. Quem (como eu) cresceu vendo no Paulo Maluf a representação mais acabada de toda a corrupção, cinismo, oportunismo, desfaçatez e até criminalidade existente no meio político brasileiro, chega à meia-idade constatando que ele fez escola. Cruz-credo!
Unknown disse…
Assino embaixo. Só não votei nenhuma vez nesse senhor assistencialista e fã de ditaduras agonizantes!! Mais uma ridícula atitude de uma pessoa que tornou-se um ídolo para muitos, hoje quase todos frustrados, e com esse derrame de dinheiro púbico consegue novo público, mais dócil, sem acesso e principalmente que tb nada sabe!!! É para quem é tão sem noção quanto Lula, a gente nem deveria se assustar mais!! Triste isso!!! Ser comparado com Maluf, Quércia e ainda achar que ele é pior é um terror que não se extingue, pois ele quer perpetuar na forma de Dilma!!!
Unknown disse…
Antes mesmo de ler seu texto, fiquei estarrecida quando sexta-feira pp de manhã ouvi na rádio Jovem Pan esta proposta vergonhosa de prêmios e aposentaria máxima para ex-jogadores que o Lula quer distribuir. Isto é um absurdo. Vergonhoso.Na hora pensei, e nós pobre aposentados aí na luta por um aumento de 7,71% que ele (Lula) disse que vetará. Só fez aumentar minha revolta. Minha aposentadoria somada a de meu marido não dá para sobrevivermos decentemente. Para termos uma vida digna, ele com grande dificuldade e limitadíssimo continua trabalhando 15 horas por dia. Aí vem o governo distribuir beneficios a ex-jogadores incompetentes que não conseguiram administrar seus ganhos. E mais, para outros que estão bem na vida, riquíssimos. Nada contra os ex-jogadores mas contra o governo que quer fazer gentileza com o dinheiro do povo. Ainda bem que as eleições estão chegando e poderei dizer não nas urnas. E confesso: nunca votei no homem e não vai ser agora que votarei na dita cuja. Revoltadissima registro aqui meu protesto na esperança de que os brasileiros acordem e façam uma campanha igual a feita contra os fichas limpa. Plagiando a Jovem Pan: "ACORDA BRASIL"
Pena que você tenha votado nele.
Beijos.
Zuleica.