Morto novo, história antiga

O faroeste alcançou estas bandas, com algumas diferenças da origem norte-americana. No modelo bang-bang pé de serra, os bandidos não são identificados e ou de natureza glamourosa. Conhecemos somente as vítimas. O escritório do xerife é incompetente. Os motivos dos crimes são desconhecidos, mas alimentam os boatos, do saloon (os botecos) à cadeira do barbeiro, passando pela paróquia. Tudo como forma de manter o pacto de silêncio na comunidade. E o final, previsível, sem a solução dos crimes ou a punição dos culpados.

O assassinato do vereador João Santana de Moura Vilar, o Tucla, (PDT) apenas reforça como política e violência se relacionam em Cubatão. Política que se resolve na bala, na execução em praça pública, sem pudor, sem temor. O recado é gerar pânico. Avisar quem manda, mesmo que o autor da mensagem se esconda nas sombras.

A cidade mantém o histórico linear de violência. Mata-se sem que se saiba o porquê. Ou melhor, desconfia-se. O cheiro fica no ar. As insinuações correm a boca pequena nas rodinhas de conversa ainda no velório. Mas o medo paralisa a todos. A própria classe política local não cumpre, com a veemência devida, seu papel de cobrar por respostas.

Nos últimos nove anos, foram cinco atentados que envolveram apenas políticos e assessores diretos. Há nove anos, o então prefeito Clermont Silveira Castor foi baleado e sobreviveu. Uma das balas ainda está alojada no corpo dele.

Em 7 de novembro de 2008, o dono de auto-escola Benavenor Teobaldo da Silva Neto, de 36 anos, levou vários tiros dentro da própria empresa, na frente da esposa. Um dos assassinos teve a frieza de retornar à auto-escola para verificar se Beninha, como era conhecido, estava morto. Beninha foi candidato a vereador na última eleição.

Nove meses atrás, o motorista e assessor de Tucla, Alex Renildo de Barros, de 30 anos, foi executado. Em março, o médico cardiologista e ex-vereador Anis Rahal Maluf, de 60 anos, sofreu uma emboscada e foi morto a tiros quando dirigia pela rodovia Cônego Domenico Rangoni (antiga Piaçaguera-Guarujá).

Em todos os casos, a Polícia Civil não conhece os culpados ou mandantes. Investiga-se e não se chega a um ponto efetivo. Os mortos viram lista que exemplifica o terror.

Eliminar políticos é parte da história da cidade. Em 1964, o ex-prefeito Abel Tenório também foi assassinado a tiros. Outro caso insolúvel.

Tucla foi morto durante a tarde, a 100 metros de casa, quando retornava da padaria. Os dois agressores estavam em uma moto. As cápsulas das sete balas disparadas sumiram, fator redundante para a teoria de crime encomendado.

A quantidade de mortes nos últimos meses provoca uma série de perguntas. Por que matar políticos e assessores? Eles mexeram em algum vespeiro? Fizeram alianças políticas de alto risco? Por que a Polícia mantém o histórico de resultado zero? Outros políticos devem reforçar a segurança pessoal?

Cubatão, assim como outras cidades da Baixada Santista, remonta à Sucupira, cidade criada por Dias Gomes na obra o Bem Amado. O modelo de coronelismo prevalece, ainda que os Odoricos não utilizem chapéus ou vistam ternos brancos. Os coronéis controlam a cidade por meio de currais, divididos milimetricamente entre si.

O coronelismo usa do assistencialismo rasteiro, das alianças via cargos e benefícios e, se possível, da alternância de poder. A cidade teve os mesmos comandantes por 16 anos, que se alternavam no paço municipal. Depois, os líderes foram trocados, mas os camaleões de segundo escalão mudaram rapidamente de cor.

Marcia Rosa – que poderia representar o novo – reproduz a instabilidade que marca, por vezes, a presença do PT no Poder Executivo. È claro que leva tempo para se arrumar a casa, se houver vontade política. Mas a gestão atual não parece caminhar em nuvens brancas. Vários secretários foram trocados e a relação com o Poder Legislativo não é exatamente amistosa.

O suplente de Tucla, Aguinaldo Alves de Araújo, também é do PDT, partido opositor. Tucla ignorava esta posição e apoiava a prefeita. Aguinaldo declarou ao jornal A Tribuna que pretende seguir as orientações do PDT. Evangélico, é visto como um político promissor – em termos eleitorais.

A questão é que a prefeita precisa ir além da lamentação e do luto. O cargo exige não apenas cautela diante dos atentados dos últimos meses, mas também energia para cobrar e exigir uma investigação adequada. A classe política não pode permanecer refém de sabe-se lá qual grupo criminoso.

A prefeita Marcia Rosa não pode considerar os crimes como algo independente do desenho político da cidade. Os ataques dos últimos meses alteraram as relações entre os políticos e mexeram – por tabela – com os níveis de poder. Não é possível que assassinatos aconteçam, permaneçam sem solução e a vida siga como se nada tivesse ocorrido. Ou valerá a pena esperar pelas conseqüências econômicas e sociais da criminalidade entrando sem bater no gabinete do poder local?

As conversas miúdas em Cubatão precisam mudar de tom. Os moradores convivem com a sensação de medo permanente, em que se olha para os lados e para trás quando se conversa sobre política na cidade. Escolhe-se como se fala e para quem se fala. Na verdade, paira um tabu no qual certas coisas não podem ser ditas. É a violência que paralisa o processo político de tempos em tempos e assegura os próximos capítulos de um faroeste particular, porém com personagens incompletos.

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