A greve que não aconteceu

A greve dos professores da rede estadual teve um mês de duração. A paralisação terminou na última quinta-feira, dia 8. Você percebeu a mudança na rotina, salvo os congestionamentos na avenida Paulista, em São Paulo? Não houve aulas? Escolas fechadas? Políticos pressionados com medidas de emergência para não mexer no ano letivo?

Para gozo governamental, a greve não sacudiu as escolas. O movimento grevista serviu como parâmetro para que se possa compreender os conflitos entre a Apeoesp, entidade sindical dos docentes, os próprios professores e o Governo do Estado. São choques diretos ou o cinismo da indiferença, mas ambos não abalam os problemas reais do sistema educacional. A vantagem é que permitem entender o posicionamento de cada um deste atores no episódio.

O governo Serra venceu a mobilização pelo cansaço e pelo esvaziamento natural depois de 30 dias, período em que a categoria apanhou de todos os lados. Não houve simpatia por parte da sociedade civil, despolitizada, intolerante e inerte diante das questões sociais. A imagem dos grevistas ficou arranhada com os protestos na avenida Paulista, que pioraram o trânsito da cidade e reforçaram a munição da Secretaria Estadual de Educação.

Em ano de eleição, mobilizar trabalhadores significa acionar, de maneira automática, uma parcela da imprensa abraçada com o poder. O abraço não é explícito, e se manifesta na cobertura jornalística tendenciosa, travestida de indignação em prol da cidadania. É uma cobertura que nasce para confundir o público; jamais fornecer a ele um contexto. Uma rede de rádio de São Paulo, por exemplo, veiculou uma matéria que classificava um dos protestos na Paulista como responsável por todo o congestionamento da capital. A reportagem ignorava outros problemas de engenharia de tráfego.

Infelizmente, a greve não funcionou e reforçou a linha ideológica que comanda a educação pública estadual há mais de uma década e meia. Em parte, a responsabilidade é do sindicato da categoria que, como muitas entidades, ainda não compreendeu que as batalhas mudaram. E as armas para vencê-las também. Não é mais o momento de um embate entre direita e esquerda ou um discurso repleto de termos que funcionariam em um curso de Ciência Política.

Na teoria, o texto é fantástico. Na prática, a ressonância é baixa e soa arcaica para muitos professores e observadores. Falta transmitir ao professor a sensação de que ele é ouvido, e não alvo de pregação. O movimento sindical também se afasta das suas bases quando veste o manto da política partidária. Assim fica fácil para o Governo Estadual abusar da redundância quando acusa de político o movimento. Toda greve é política, mas ganha a conotação ilusória de fator relevante e tira o foco da questão trabalhista.

Assumir a veia partidária coloca o sindicalismo à mercê do poder. Neste caso, os partidos que rodeiam o lulismo. No fundo, reforça-se a dúvida: a greve é político-partidária ou uma ação trabalhista efetiva? O ano eleitoral vira cortina de fumaça para as intenções reais.

A responsabilidade envolve ainda o professorado. Muitos docentes perderam ou nunca tiveram o sangue que une os descontentes. Há um conformismo generalizado que facilita o trabalho do modelo PSDB/PT de educação. O último reajuste da categoria aconteceu em 2005 e foi da ordem de 15%. Nos últimos cinco anos, aumento de 5%, somente em 2008. A inflação do período é de 22%. O bolso minguado não é mais motivo de protesto?

Outra parte dos professores concorda ou aceita de bom grado a política salarial do Governo Estadual, focada no pagamento de bônus por bom desempenho, entre outros agrados, medida que divide especialistas em educação. Uns falam em premiação por mérito. Outros classificam o bônus como critério fora de contexto. O debate estéril alimenta a paralisia.

A terceira parte dos docentes desistiu da luta, mas não da profissão. Procura espaço nas redes municipais ou privada, que pagam melhor e oferecem – em tese - melhores condições de trabalho. Ou outras condições igualmente frágeis de trabalho. O salário da rede estadual é o pior do mercado, na média.

Como professor universitário em curso de licenciatura, vejo muitos alunos com sangue nos olhos e vontade para entrar na sala de aula. Eles entendem a educação como mecanismo de transformação. Respiram idealismo. Seis meses, um ano depois, querem fazer outra coisa na vida. Desistem pelo cansaço, pelo estresse, pelo medo, pela decepção diante de um modelo falido de escola, que coloca o país entre os piores das nações em desenvolvimento.

Entrar em greve é um direito e, por vezes, uma necessidade. Os professores se encaixam nesta premissa. Mas esta paralisação não provocou cócegas na secretaria estadual. Enquanto os grevistas falavam em adesão de 63%, o Governo rebatia com o índice de 1%. O número não importa diante do fato: infelizmente, a rede estadual é a mesma de sempre, que rasteja em seu caminho repleto de buracos e desvios que terminam em becos sem saída.

Ao perceber a ineficácia da categoria em alterar a paisagem, o Governo Estadual consegue manter e se vangloriar da política neoliberal de educação adotada nos anos 90. Modelo que valoriza os dados estatísticos, a padronização de conteúdos, a submissão ao mercado e aos processos de consumo, mascarados numa estrutura escolar repressora e excludente. Modelo que atende aos interesses de organismos internacionais e rechaça as particularidades da cultura local.

Se olharmos para esta última paralisação, o modelo venceu. Ou melhor, confirmou a vitória por nocaute. O professorado permanece conformado, desumanizado e inerte, como desejam os gestores públicos de educação.

Com o fracasso da greve, a reivindicação de 34,3% de reajuste salarial como reposição de perdas sumiu com o vento. O Governo bateu o pé, não negociou e não mexeu no bolso. As escolas revivem, depois de um mês, aquela aula de história recente, de conhecimento de todos. O conteúdo é oferecido pelo protagonista de sempre. Na teoria e na beleza dos textos pedagógicos, o nome dele é professor, sujeito que murmura queixas, exala cansaço e continua mal pago.

Comentários