O exílio é aqui!

Texto publicado no jornal Boqueirão (Santos/SP), página 13, edição 775, de 06 a 12.02.10


O produto não é novo, mas fez muito sucesso há cinco anos. Rendeu milhões de reais em lucro e tinha aceitação quase unânime por parte dos consumidores. Por problemas contratuais, saiu do mercado nacional, mas se transformou em marca globalizada. O preço subiu, o que tornou inviável o consumo regular por estas bandas. Somente em ocasiões especiais, nas tardes de domingo ou noites de quarta, algo como duas vezes por ano, visto pela TV.

A mercadoria, com dois, três anos de vendas instáveis lá fora, se desvalorizou. Meses depois, numa transação financeira, tornou a ganhar as principais manchetes, ainda que em pontos de venda sem tradição. Fruto natural das oscilações de mercado e do capitalismo, dizem os otimistas. Crise de imagem e má orientação de uso da marca, diriam os realistas. Qualidade abaixo do que foi prometido na propaganda, avaliam os pessimistas.

Diante de um fracasso à vista nos próximos seis meses, uma saída desesperada para a marca. Recuar no mundo global e voltar às origens para recuperar o prestígio com os consumidores locais. Os mentores da manobra engolem a seco a redução de lucro, com a aposta que os processos cíclicos do capitalismo levem ao sucesso corporativo.

O produto se chama Robinho, tem 26 anos, sete no mercado profissional do futebol, e chega na Vila Belmiro para uma aventura de seis meses. Redirecionar a carreira, no jargão dos gurus da economia. Na prática, um ótimo negócio para todos os envolvidos. Leia-se bem: negócio! Paixão, amor ou histórico afetivo são questões secundárias, derivadas de um olhar mercadológico, no qual o marketing dita as cartas, e os resultados são o único horizonte em mente. Sentimentos à serviço das vendas. Jamais o inverso.



Para o Manchester City, a redução de salário da ordem de R$ 1 milhão/mês e a esperança de que a Copa do Mundo, no meio do ano, recoloque seu produto na vitrine. Para o Santos, a chegada de Robinho decorre de ações combinadas entre administrativo e marketing, com foco em recuperar a imagem de um time que estagnou nos últimos dois anos. Além disso, a possibilidade de, antes das previsões, associar a nova gestão à conquista de campeonatos, mesmo que menos importantes como o Paulistão.

Robinho, como produto, volta à principal prateleira, que necessita daquele calço para ser firme. Robinho precisa superar a desconfiança dos que tem memória e se lembram da saída pelas sombras. Precisa driblar a desconfiança de quem sabe que ele repetiu a dose em todos os clubes europeus, o Real Madrid e o Manchester City. A chegada com pompa, confetes e serpentina. Promessas de ser o melhor do mundo. E a saída melancólica, dos contratos interrompidos e das críticas da imprensa, torcedores e dirigentes.

Robinho segue a tendência atual do supermercado do futebol. Não deu certo no principal centro do mundo globalizado, nada como jogar por aqui, em campeonatos de nível inferior, surrando times pequenos e enfrentando muitos jogadores de qualidade duvidosa. Lustra-se o ego, encobre-se um possível fracasso.



O futebol brasileiro, infelizmente, permanece como fornecedor de mão-de-obra. Os principais talentos não atuam aqui, salvo exceções, que aguardam por ofertas melhores, como o meia Diego Souza (Palmeiras), o volante Hernanes e o zagueiro Miranda, ambos do São Paulo.

O Brasil, quando não funciona como maternidade, representa o cemitério de uma carreira no exterior. Pode ser a morte com honras ou o fim em silêncio. Os atletas repatriados não se adaptaram a culturas e locais de trabalho diferentes por inúmeras razões, como falta de profissionalismo, fim de privilégios, maiores exigências contratuais, ou encaram o fim de uma jornada vitoriosa no exterior ou perceberam que foram ludibriados e amarraram suas chuteiras em campos secundários, de visibilidade menor para a seleção brasileira.

Podemos pensar, respectivamente, nos casos de Adriano (e seus problemas com a Internazionale), Roberto Carlos (36 anos e quase uma década e meia de sucesso na Europa) e Wagner Love (escondido no futebol russo após desperdiçar inúmeras chances na seleção).

A elite de todos os continentes está na Europa. Na Copa Africana de Nações, cerca de 65 jogadores, das 16 seleções, atuam – por exemplo – na França. Mais de seis times titulares. E há ainda dezenas de atletas na Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, daí para países menos relevantes no universo do esporte. A mesma regra vale as seleções da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, apenas para mencionar a América do Sul.

O torcedor do Santos fará festa com justiça. Traz nela a esperança de uma equipe que, formada pela força da transição e da ausência de dinheiro, relembra a geração 2002. A diferença é que cruzaria três atletas de épocas diferentes: Giovanni, Robinho e Neymar. Ganso completa a turma, mas de uma forma diferente, pela discrição, pelo papel de coadjuvante, na infelicidade tradicional do espetáculo.

Este time será lembrado! O sabor da lembrança dependerá dos resultados. Faixas de campeão, títulos. A capa do livro de História. Ou mais uma novela de megalomania e falta de planejamento dos clubes.

O torcedor, que não é bobo ou ingênuo, cobrará Robinho. A festa durará uma semana, até a estréia com o São Paulo. Dali em diante, Robinho tem que saber que o Santos, de certa forma, faz um favor a ele. O clube o perdoou, abriu uma exceção não apenas na folha salarial, mas na credibilidade que se construía em ritmo diferenciado. E servirá de trampolim para que o jogador que mais atuou na Era Dunga esteja no avião para a Àfrica do Sul no meio do ano.



Robinho, assim como os repatriados de primeira linha, encara um auto-exílio. O lugar deles, como produto e como profissionais, ainda é o cenário europeu, infelizmente. Pelo poder do dinheiro, pela visibilidade no balcão da loja, pela rentabilidade de mercado, elementos que integram o futebol como mais um investimento financeiro, conduzido com a dureza, frieza e a crueldade do mundo das marcas globalizadas.

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