Eu, Tu, Eles

Texto publicado na coluna O outro lado da bola, interinamente, durante as férias do colunista Gerson Moreira Lima. Site do Jornal Boqueirão (Santos/SP). www.boqnews.com

Neymar e Paulo Henrique Ganso são, para muitos, o passaporte para um passado de felicidade. Os dois santistas carregam nas costas a responsabilidade de comandar um time que passou por duas temporadas de vacas magras, com exceção de lampejos regionais. Mas a dupla traz também na carne as oscilações dos inexperientes e o estigma de repetir o sucesso anterior de outra dupla formada na base do clube: Diego e Robinho.

Depois da saída de Robinho, vários pagaram o preço de serem carimbados com a marca de herdeiro ou o clone do jogador. Um exemplo é o meia-atacante Wesley, que precisou viver uma temporada no Atlético-PR para que os torcedores o perdoassem de um crime de cometeu a revelia: não ser o novo Robinho.

A vantagem de Neymar e Ganso é o simples fato de sobreviverem como dupla: dividem as glórias, as cobranças, a instabilidade de uma equipe em formação e da própria juventude. E estão cercados de jogadores experientes que me parecem cientes da dependência do time aos dois moleques.



As duplas sempre trouxeram – de maneira inerente – uma relação simbólica com o futebol. Elas se aproximam do significado de trabalho coletivo que marca a dinâmica deste esporte. O craque decide, mas sempre necessitou do carregador de piano. Uma defesa de excelência geralmente é composta de um zagueiro clássico, técnico, e de outro que poderia cortar grama sem equipamentos. Ou trabalhar com eficiência na roça.

No caso de Neymar e Ganso, eles se encaixam na dupla protagonista de um time. Um meia tradicional, habilidoso, que enxerga o jogo na vertical. Odeia passes laterais e jogadas sem objetividade. Somado a ele, o parceiro com faro de gol, mais veloz, que atua perto da área e, muitas vezes, conclui ou compartilha as ideias que nasceram com aquele companheiro armador.

E as duplas entram para a história do futebol quando este desempenho se reverte em campeonatos conquistados. Nos anos 80, Washington e Assis formaram o casal 20 do Fluminense, campeão brasileiro e carioca. Washington, o trombador. Assis, o meia criativo.

Na Itália, o Napoli levou a Copa da UEFA e um dos dois títulos nacionais com um gênio no meio-campo, o argentino Maradona.(foto abaixo, à direita) Quem marcava parte dos gols: Careca, o melhor centroavante brasileiro daquela década.(foto abaixo, no centro) Vinte anos antes, o próprio Santos teve um dupla que arrepia os saudosistas, que juram não ter visto melhor parceira. Pelé e Coutinho destroçaram defesas pelo mundo. É redundante tecer maiores comentários sobre eles neste espaço.



No Santos recente, Diego e Robinho, marca de uma geração boa e barata formada ou garimpada pelo clube. Diego, o meia vertical que servia o menino legitimado pelo próprio Pelé. Robinho e Diego ajudaram o time da Vila Belmiro a esquecer 18 anos de fila sem títulos.

Duplas jogam por música. Parecem a primeira e a segunda voz de uma dupla caipira. O compositor e o cantor de uma parceira do rock, como Lennon e McCartney. Os símbolos de uma tendência, como a Tropicália, de Gil e Caetano ou a Jovem Guarda, de Roberto e Erasmo.

Duplas são vistas como heróicas. No mundo da fantasia, o que seria O Batman, sem o Robin. Talvez alguém taciturno demais, amargurado por essência. No cinema, Butch Cassidy (Paul Newman) não seria um dos homens mais procurados do Oeste sem Sundance Kid (Robert Redford). No jornalismo, Carl Bernstein jamais desvendaria o escândalo de Watergate, que colaborou com a renúncia do presidente Richard Nixon, sem o repórter Bob Woodward.



No futebol, dupĺas entram para a galeria dos heróis ou são vistas como parcerias musicais a partir dos resultados finais, fruto de um caminho trilhado com paciência, certa disciplina, genialidade e suporte de uma equipe. Neymar e Ganso são muito crus ainda para serem enquadrados neste grupo. Ainda bem, pois abre margem para a hipótese de que esta dupla chegue num topo sequer imaginado por ELES, os torcedores.

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