As pílulas de Theo (Contracapa # 5)

O aeroporto de Cumbica, em intervalos flexíveis, recebe um filósofo interessado em romper com os referenciais brasileiros. Ou, no mínimo, provocar os teóricos “donos do saber”. Muitas vezes, involuntariamente, pois o filósofo parece mais interessado em desvendar o pensamento na vida cotidiana do que entrar em conflito com a filosofia nacional (se é que podemos rotular assim!).

Jostein Gaarder, norueguês autor de O Mundo de Sofia, vendeu milhares de livros no Brasil. Perdeu o fôlego como best-seller por aqui, mas conduziu a filosofia a públicos vistos como inalcançáveis ou dignos de desprezo.

Ontem, conheci o alemão Theo Ross, no palco do Teatro Guarany, em Santos. Ele participou da mesa Filósofos além muros, ao lado da filósofa e integrante do programa Saia Justa (GNT) Márcia Tiburi. O encontro, mediado pela jornalista Mona Dorf, fez parte da Tarrafa Literária: 1º Encontro Internacional de Escritores.



Theo é um sujeito de cabelos brancos, olhos claros, com jeito de gringo mesmo. Carrega um violão a tiracolo, o que jamais permitiria encaixá-lo no rótulo tradicional de filósofo, aquele indivíduo com postura de nerd ou descolado ao extremo.

Sem intenção, Theo Ross coloca na parede o ensino de Filosofia no Brasil – na perspectiva das políticas públicas e do universo acadêmico. Ele entende a Filosofia como algo necessário no cotidiano das pessoas, o que inclui uma mescla entre a racionalidade e o afeto. Neste caminho, filosofar ultrapassa as amarras da História do Pensamento (leia-se como Pensamento Ocidental). Fala em amor o tempo todo. Apóia-se em Nietzsche. Justifica-se com a música, representante máxima da propagação de qualquer ideia filosófica calibrada com graus de afetividade.

Durante duas horas, Ross defendeu uma filosofia com sentimentos, sem as prisões da história do pensamento filosófico. Tentou mostrar como a música – na relação entre melodia e letra – traz consigo uma carga de pulsações, provocadoras e refletoras de sentimentos.

No canto do palco, Ross cantou e tocou – em parceria com o músico santista Marcos Canduta – três músicas, duas de Bob Dylan e outra de Van Morrison. Esta maneira de falar filosoficamente o tornou conhecido na Alemanha, seja por um programa de TV ou pela produção de documentários.

Não entenda a presença de Ross como mais um palestrante-showman. Nem tampouco o enxergue como um filosófo detentor da sabedoria. Aliás, ele afirma que não se pode entender a sabedoria em termos filosóficos. Como defini-la?



O filósofo alemão, conhecido do público brasileiro pelo livro Vitaminas Filosóficas, também nos ensina que refletir não ocorre como atos extremos, de felicidade ou de caos interior. Sugere – a título de exercício elementar - que façamos um balanço reflexivo ao final de cada dia. Isso implica, com o tempo, em expor angústias, ansiedades, perceber como os outros nos vêem, entender nos dificuldades de se relacionar com o mundo. Compartilhar o resultado deste liquidificador sempre!

Para ele, a melancolia funciona como a tradução desse caldeirão de sensações. A melancolia o conduziu à psicanálise, numa busca utópica e, portanto, infrutífera pelo entendimento. No fundo, a manutenção e o cultivo da dúvida. Sem certezas provisórias ou definitivas.

Theo Ross merece ser acompanhado de perto no Brasil. Não é daqueles escritores auto-referentes, que apenas consegue falar de seu processo produtivo. O alemão colocou a Filosofia acima da própria obra. Pelo menos, na Tarrafa Literária. Os críticos o acusam de se aproximar do universo da auto-ajuda e de transformar a Filosofia em mercadoria pop, aproveitando-se da moda em consumi-la. Retórica prevista e necessária!

O fato é que Theo Ross ressuscitou novamente o argumento de que a filosofia não pertence aos catedráticos ou aos reprodutores de conhecimento enciclopédico. A Filosofia tem que estar presente em todos os debates públicos, como pólvora para fomentar a reflexão em um mundo tão marcado pelo pensamento único, pela intolerância com o diferente, pela padronização de olhares e sentimentos.

A Filosofia, além dos muros dos intelectuais, é combustível para qualquer sujeito, disposto ao visitar um encontro de escritores ou a simplesmente pensar como foi o dia.

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