O ladrão ofendido

Texto publicado na versão impressa do jornal Boqueirão (Santos/SP)- página 2, edição número 752

Dona Teresa* é uma daquelas senhoras vistas como boa gente, educada, de fala mansa no trato diário. Trabalhar muito e ter criado três filhos sem um marido do lado (e sóbrio!) aumentou a fama dela na vizinhança, no bairro da Aparecida, em Santos.

As mãos calejadas por 35 anos de faxina, o andar mais lento e as costas curvadas registram quem ainda frequenta diariamente as chamadas casas de família. Coisas da aposentadoria minguada, diz ela.

Numa noite recente, Dona Teresa entrou trêmula na pizzaria a duas quadras do prédio onde mora. Uma das funcionárias, que a conhece de boa tarde, boa noite, percebeu que a tremedeira e a brancura da pele não eram normais para aquela mulher de 60 anos e aparência de meio século. Pediu que Dona Teresa sentasse e a uma colega que trouxesse o calmante “água com açúcar”, popular para casos inesperados.

Quando Dona Teresa abriu a boca, as palavras não tinham sentido, eram entrecortadas por um choro soluçante. A fala dela misturava uma corrente de ouro, o dinheiro da semana, prejuízos e “o que vou fazer agora?”.

Acostumada a ouvir cantadas de clientes calibrados, queixas de fregueses indigestos e protestos de motoboys, a funcionária sentiu que deveria escutar o desabafo de quem sofrera um assalto no Canal 5, a três quadras de casa e outras três da orla da praia. Dona Teresa foi roubada duas vezes, pelo mesmo ladrão, com uma diferença de 150 metros ou 30 segundos de caminhada.

No primeiro assalto, o ladrão – apressado e nervoso – pediu a corrente de ouro. Presente da filha de Dona Teresa, com o nome gravado da própria. Um talismã antes visto como símbolo de proteção e sorte. Ela, se convencendo a não reagir, deu a corrente. O ladrão agradeceu e subiu na bicicleta!

Sentindo-se novamente segura, a senhora conseguiu vomitar:

- Ladrãozinho filho da puta!

Na esquina seguinte, o rapaz a esperava. Novamente apontando a arma, pediu a bolsa, com documentos e dinheiro. Dona Teresa argumentou que já fora assaltada há pouco, sem reconhecer o ladrão. Ela pediu os documentos, pois imaginava a burocracia para tirar a papelada outra vez. Mas não conseguiu negociar os R$ 250 de cinco dias de faxina.

Novamente pedalando, o assaltante se despediu e avisou:

- Tia, deixo os papéis da senhora porque sou de paz. Mas da próxima, não xinga minha mãe. Voltei porque me xingou. A velha não tem nada a ver com o que faço na rua.

Avisada pelo telefone da pizzaria, a filha foi buscar Dona Teresa, já refeita do susto. Sabia que o dinheiro faria falta no dia seguinte, mas não tirava da cabeça o preço do palavrão, naquela noite mais alto do que a insegurança do bairro, comentada repetidamente pelos vizinhos.

* (nome ficcional)

Comentários

Mari disse…
É professor, a coisa tá feia mesmo. Lembrei de um caso parecido, duma amiga que andava pela orla, e quando o cara parou para assaltá-la, ela disse que não ia entregar o mp3 e mandou ele para um lugar nada agradável. Ele ameaçou dizendo pra ela ficar esperta, que qualquer dia ela levaria um tiro. O ladrão estava de bike, deu algumas pedaladas à frente, e tentou assaltar outro cara. O rapaz teve a mesma reação. Ele sacou a arma e deu um tiro nele. Acho que nunca mais ela enfrenta um ladrão. Causa indignação, mas não podemos reagír, né.
Que história, hein, Mariana?? Como diz um amigo, a realidade sempre ganha da ficção. Imagine se as duas histórias - a minha e a da sua amiga - fossem ficcionais? Muitos poderiam considerar inverossímeis. Grande abraço!!!