Quem deveria "tomar bomba"?

Nos últimos 14 anos, o Ministério da Educação defendeu como uma das bases para a política de ensino a entrada de todas as crianças de 7 anos na escola. O Brasil chegou ao índice de 98%, bandeira levantada em nome de uma suposta eficiência de planejamento e de política pública consistente. A estatística foi repetida a esmo por aqueles que defendiam a postura governamental, apoiada em referenciais de organismos internacionais com o olho nas verbas destas mesmas instituições.

No final de novembro, um documento da UNESCO colocou em dúvida a eficácia de gestões marcadas pela quantidade de indivíduos nas unidades de ensino, mas que apenas engatinha quando necessita de ações que elevem a qualidade da educação brasileira. O Relatório Global de Monitoramento de Educação para Todos insere o Brasil entre os países com maiores índices de repetência. O país está à frente do Suriname, do Nepal e de 12 países africanos.

Traduzindo: as escolas brasileiras reprovam um em cada quatro alunos do 1º ano do Ensino Fundamental. O documento da UNESCO, que focalizou as atividades até o 5º ano (antiga quarta série), indica que 20% das crianças matriculadas abandonam a escola nesta fase. Apenas este dado coloca em xeque a pregação dogmática do Ministério da Educação, que se orgulha em dizer que as crianças estão na escola. Aprendendo o quê? Recebendo qual tratamento? Elas permanecem nas unidades de ensino?

No Índice de Desenvolvimento da Educação, o desempenho também levaria a política educacional para a recuperação de final de ano. O índice cruza informações sobre acesso e qualidade e classifica o Brasil na 80º colocação, quatro a menos se compararmos com a avaliação anterior.

Além disso, os dados da UNESCO indicam que a ladainha de todas as crianças na escola soa, no mínimo, discutível. O Brasil é o único país da América Latina com mais de 500 mil crianças sem estudar, mesmo patamar de países como Senegal e Iraque. Precisamente, 597 mil. A lista tem 17 nações. A UNESCO avaliou 125 países. No quesito reprovação no 1º ano, o Brasil ocupa a 116º posição. Em outras palavras, as escolas reprovam 27 em cada 100 estudantes. O índice nacional supera a média da África abaixo do Saara, que apresenta os piores indicadores sócio-econômicos do planeta.

Diante dos números, aparece a questão: de quem é a responsabilidade? É fácil apontar as vítimas: as crianças, incapazes de perceber as deficiências do sistema de ensino, mas com a sensação de culpa diante do dedo inquisidor de colegas e, por vezes, a própria família. Isso sem falar de professores e instituições escolares, que se eximem de vestir a carapuça de carrascos.

A discussão sobre o papel (ou o fracasso) da escola brasileira gravita em torno de questões pontuais, assim como os projetos (ou soluções milagrosas) propostos pelos gestores públicos. Quando não se partidariza o debate, percebe-se a aplicação de modelos estrangeiros que mais parecem versões franksteinianas do original.

Um exemplo é a Progressão Continuada, alvo de críticas excessivas por parte de educadores, mídia e políticos, que a associam à perpetuação do mau desempenho do aluno nas avaliações estaduais, nacionais e internacionais. Confunde-se o modelo com aprovação automática. Usam-se exemplos de crianças que chegam ao 9º ano (antiga 8º série) semi-analfabetas como símbolos do fracasso.

Na verdade, trata-se de uma forma oportunista de não entrar na falta de planejamento de políticas públicas de educação, o que inclui colocar a culpa no sistema, despersonalizado e generalizante. A Progressão é apenas mais um modelo copiado do exterior, de países que se desenvolveram no setor e viraram clichês de sucesso como Coréia do Sul, Espanha e Irlanda. Assim, os gestores ignoram a necessidade de infra-estrutura para a aplicação de projetos.

Neste sentido, há problemas de remuneração e capacitação de docentes, livros didáticos por vezes ultrapassados e preconceituosos, unidades escolares com atraso tecnológico e planos e metas com prazo de validade até a próxima eleição. É a visão de que a escola pública é de todos e não pertence a ninguém.

O triste deste cenário é que o problema não tem caráter financeiro, embora o país aplique menos do que o recomendado em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Falta continuidade e perspectiva de que organizar a educação significa um processo de longo prazo, de um quarto de século (pelo menos!), com reconhecimento discutível e capacidade de mensuração de resultados em parte abstrata. Não é somente uma questão de notas, boletins e passar de ano. A política educacional, ao reproduzir este olhar, mostra que não aprendeu o que tanto prega para as salas de aula.

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