A esperança do pessimista

Texto publicado no jornal Metrópole (São Vicente/SP), n.170, seção Opinião, em 6 de setembro de 2008.

Os dois sujeitos se sentam em frente ao aparelho de televisão. Repletos de dúvidas, ambos esperam que o horário eleitoral gratuito reforce ou colabore com a decisão do voto até o início de outubro. Um deles se considera esperançoso. Crê que o programa eleitoral servirá para a divulgação de propostas que visem o desenvolvimento da cidade. O outro, pessimista, apenas resmunga que se trata de uma sucessão de oportunistas, loucos pelo melhor emprego do momento.

Os candidatos a vereador, na tela da TV, simbolizam uma versão reduzida da máxima de Andy Warhol. Em vez de 15 minutos de fama, todos têm somente 15 segundos para comunicar algo ou simplesmente ganhar visibilidade. Dependendo do partido, o tempo é mais reduzido, o que limita o discurso ao nome e número do candidato.

O primeiro espectador, ainda crente no processo político, lamenta o espaço limitado. Se os candidatos pudessem falar mais, acredita ele, surgiriam idéias mais consistentes para a cidade. O pessimista olha de lado e dispara: - Propostas repetitivas! Muitos desconhecem os limites de um vereador e prometem coisas mirabolantes.

Os slogans se prendem a rimas pobres. Combinações primárias entre o nome do candidato e termos vagos, como educação, saúde, ética, honestidade (neste contexto, um avanço) e outras qualidades antes obrigatórias para qualquer cidadão que deseja se tornar um representante público. Apelidos também servem como armas para atrair a atenção, seja o nome do bairro, a profissão, a semelhança com o artista da TV. Até aparecer ao lado da esposa serve, pois usar o símbolo da família pode conquistar os desavisados.

O eleitor generoso, exalando esperança, defende que se tratam de recursos legítimos, pois representam a transparência de alguém que – pela simplicidade – tenta renovar o Poder Legislativo. O eleitor descrente, calejado por várias campanhas, critica a miséria das propostas, a falta de comprometimento com o eleitorado e, acima de tudo, a inconsistência em debater o planejamento do município. O aborrecimento dele se fortalece com a indignação perante os sujeitos que se fantasiam de mágicos e personagens afins e fazem piada de si mesmos, da política e do processo democrático.

No horário eleitoral, as diferenças ideológicas inexistem. Se não fossem as vinhetas e a numeração das siglas, ficaria a impressão de um partido único, cenário digno dos bolcheviques, maioria na Revolução Russa. A campanha é focalizada no individualismo do sujeito; as idéias, desconectadas entre os candidatos. Não transparece um projeto de coligação, somente ações individuais, imoralidade entre aqueles que postulam vaga no Poder Legislativo, onde coletividade se constitui na alma das relações políticas.

Ao final de meia hora de programa, o eleitor otimista promete acompanhar o horário gratuito novamente, com esperança de que vários projetos de governo se desenhem até o início de outubro. Nas primeiras semanas, ajustes sempre são necessários, conforma-se. Para o colega ao lado, a esperança se traduz como auto-engano. Um dia de programa é suficiente para se perceber a mesmice de outra campanha eleitoral sem debates, sem planejamento, sem compromissos com projetos de cidadania. O pessimista se sentiu um consumidor que assina o cheque após ser enganado na venda.

Em frente ao aparelho desligado, os dois sujeitos vêem a si próprios num espelho, como duas facetas de um único alvo. A ambigüidade de um único eleitor, que protesta diante do quadro político, mas alimenta a conta-gotas a frágil esperança de mudança, de renovação. Qual deles apertará os botões da urna eletrônica? Ou haverá uma terceira via, o meio-termo do grego Aristóteles?

Comentários

Anônimo disse…
Marcão, eu não acho que os candidatos são tão ruins assim. Eu gosto, por exemplo, do Tutubarão - Nhec nhec nhec. Como alguém que assistia a esse desenho pode ser um mau vereador?
O Japonês do Funk é melhor ainda. Vai ser a dança do créu nos eleitores. Sem intermediários.
Anônimo disse…
Ops. O meu post foi como anônimo. É ruim.
Texto fabuloso!!!!

Eu me identifiquei com o pessimista!

Bom repassarei aos meus amigos.

Abraços!
Heidy, obrigado pelas palavras. Mas não perca a esperança. Abraço, Marcus
Anônimo disse…
Está parecendo o horário do almoço na minha casa, mas pelo menos os dois personagens do texto não discutem.
MAMMY acredita que algum candidato irá se salvar enquanto o marido se altera e reclama da ingenuidade da companheira.
A questão (muito bem)abordada talvez sirva, para os participantes da FARRA DO BOI democrática, como um aviso de que nem todo mundo está completamente alienado diante das bizarrices eleitorais, nem mesmo a esperançosa MAMMY.
Mary Hellen,

Boa perspectiva. O esperançoso não é exatamente um alienado. Mesmo!!!Talvez seja mais criterioso, inclusive. Mas acredito que, no fundo, sejamos os dois de forma simultânea. Abraço.