O político-pastel

Texto publicado na seção Campo Neutro, do jornal Boqueirão (Santos/SP), n.702, página 2, 1 a 5 de setembro de 2008.

O retorno é discreto, coerente com o desaparecimento por quatro anos. A conversa, de pé de ouvido, nasce amistosa. Quem ressuscitou finge interesse e estimula o interlocutor a conduzir – de maneira ilusória – o diálogo. O tom baixo de voz contrasta com os berros dos vendedores que precisam atrair os desconfiados clientes. O visitante, tal um elefante em loja de cristais, sabe da má reputação de seus colegas (ele sempre se considera exceção) e, por isso, precisa de paciência para conquistar quem tende a considerá-lo fruta de final de feira.

O estranho no ninho não trabalha como um solitário. O sonho é transparecer onipresença. Um exército de aliados de ocasião foi contratado, devidamente equipado com bandeiras, camisetas e pilhas de papéis cujo nome derivou da religião. Os “santinhos” também estão nas mãos dos que atuam como voluntários. Trabalhar de graça não merece canonização; estes apenas aguardam o melhor momento para cobrar o sagrado esforço.

O visitante não assume responsabilidades. É um bom ouvinte, palpita na hora certa e aproveita a idéia do novo amigo para propor soluções que oferece como inéditas ou criativas. Não se importa em parecer contraditório, pois as palavras se perdem entre as caixas de tomates e alfaces.

O candidato a vereador, este que aparece na feira livre de vez em nunca, pode ser detectado de longe. Bem vestido, ele não carrega os utensílios básicos para a sobrevivência neste local com origem na Idade Antiga. A fantasia pode incluir uma calça social e sapatos – para transmitir elegância – ou um jeans, camiseta e tênis básicos, com ar de casualidade, proximidade com as pessoas que não o conhecem ou não se importaram em reclamar do desaparecimento.

A ordem é chegar como se não houvesse passado. Distribuir “santinhos” é papel dos soldados – educados, por sinal. O candidato distribui “afeto”. Corpo a corpo, apimentado por sorrisos. Beijos, abraços, apertos de mãos indicam um flerte no qual o alvo não precisa ter nome, mas título de eleitor. É importante a disposição para receber um afago na cabeça ou levar um bebê para que o visitante o pegue no colo.

A feira livre é um ponto democrático. Não cobra status. Você pode somente perambular por lá ou conversar com quem quiser sem ser importunado. Os sujeitos folclóricos e criativos nas rimas exalam cultura popular, além de oferecer produtos tradicionais e exóticos e preços a serem barganhados com bom humor. Vendedores e compradores que se conhecem há anos compartilham confidências, sentem falta um do outro quando a ausência é superior a uma semana. Todos assistem com resignação aos visitantes que renascem em períodos eleitorais, conversam, soam (e suam!) preocupação e somem por encanto.

Com sabedoria, um amigo comparou estes personagens ao pastel da própria feira livre. Compõe o cenário, não representa unanimidade entre feirantes e consumidores e é recheado de vento. Neste último caso, vale o olhar sobre as propostas (promessas) de alguns concorrentes.

Comentários

Anônimo disse…
Caro professor Marcão:

Seu texto detalha todo o perfil de um político literalmente "pastel". Usado na aula da professora Benalva, discutimo-os em aula e a reação foi bem parecida com as do texto, baseado em fatos sempre vistos nas eleições e até bem antes dela. Estamos cansados de políticos assim, precisamos de algo mais verdadeiro, simples e que nos façam acreditar.

Paula Matos-aluna do 4º(quase 5º)semestre de Jornalismo da UniSantos.