O salário a fundo perdido

Pronunciar a palavra planejamento é prerrogativa dos profissionais de educação. Organizar um curso, aperfeiçoar um projeto pedagógico ou arrumar a escola para o início das aulas consistem em medidas básicas para o andamento razoável de qualquer processo educacional. Para os que fazem política com a educação, falar em planejamento é garantia de discursos inflamados, quando não de propostas demagógicas, nascidas sem resultados no horizonte.

Na política educacional, o mundo real da escola parece um idioma incompreensível, uma prática utópica e desnecessária. A educação escolar – vista exageradamente como o remédio para uma enormidade de males - se transformou numa gangorra na qual fórmulas são vendidas como milagrosas e posteriormente retiradas à francesa das prateleiras. Os danos se potencializam quando se aproxima uma eleição.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, com pompa, que o piso salarial dos professores brasileiros será de R$ 950. No entanto, a medida valerá somente para os docentes que trabalham 40 horas-semanais e a partir de 2009. Cerca de 800 mil professores brasileiros ganham menos do que isso. As justificativas são a Lei de Responsabilidade Fiscal – que limita as despesas com folha de pagamento – e a legislação eleitoral, que proíbe reajustes salariais a partir de junho por causa das eleições municipais.

A pergunta: se há a limitação em lei, por que anunciar a criação de um piso neste momento?

Os governos poderão se adequar até 2010. Ou seja: aumento anunciado, sem entrega garantida. Não é difícil perceber como a decisão do Governo Federal é inócua. Todas as redes estaduais já pagam acima deste valor para professores com 40 horas de trabalho semanais.

Na média, há redes municipais, em 12 Estados, com valores inferiores. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Pesquisas em Educação (INEP), o pior quadro se encontra em Tocantins, onde a média salarial é de R$ 792.

A pergunta: é possível um professor viver dignamente com este salário?

De acordo com o Ministério da Educação, o aumento vai beneficiar professores em início de carreira e das séries iniciais.

A pergunta: será que o piso salarial vai atingir realmente tais docentes?

Boa parte dos professores brasileiros acumula empregos para ter um salário razoável. Isso implica em jornadas desgastantes, locomoção, falta de tempo para preparação de aulas e de reciclagem profissional. As 40 horas semanais não incluem também o tempo gasto com elaboração e correção de provas e trabalhos, por exemplo.

A pergunta: com R$ 950 de piso salarial, será que os professores poderão se dedicar à própria capacitação profissional, além de consumo com bens culturais, como teatro, cinema e livros, fundamentais para elevar a qualidade do profissional de educação?

Na verdade, não é preciso curso de clarividência para se perceber que as jornadas de trabalho continuarão exaustivas; o nível cultural, baixo; o processo de ensino-aprendizagem, deficiente; e o bolso, vazio.

Quando a decisão governamental é demagógica, sobram perguntas para uma medida repleta de inconsistências, mas todos têm pleno conhecimento das respostas.

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